O Banco das Mentiras, na terra uíjana do Quitexe (1972
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ANTÓNIO CASAL DA FONSECA
A foto acima não foi tirada
por caso ou, para ser apenas mais uma. O cadeirão, feito pelo carpinteiro da CCS,
servia também para fotos de pose para enviar à família, dando a ideia de que
tudo aquilo era maravilhoso. Alguns aproveitavam para enviar às namoradas, em ponto grande e com dedicatórias que eu escrevia para lhes dar mais
ênfase! Como nas cartas e aerogramas do Luis e do Mário José, quando achavam
necessário levantar a moral e paixão das suas namoradas. Penso que numa missiva
terá até seguido moral a mais! Talvez paixão a mais!
«Escreve-me umas coisa bonitas mas ditas assim mais à
maneira da minha terra!», dizia-me o Mário, com o seu ar
malicioso bem aguçado e também receoso de que a sua “jarra” terra-bourense se virasse para o vizinho, que
não iria perder a oportunidade de lhe arrastar a asa!
«Se o gajo lhe deita o caliço, bem me pode
esperar!», ameaçava ele, já sem o seu
habitual sorriso maroto! Bom, quem segurou o braço do capitão em momentos tensos
aquando da revista às instalações, certamente não teria pejo em acertar contas
com o D. Juan de Terras de Bouro!
Voltando ao cadeirão, vejo
que a foto nele tirada tem uma legenda que não corresponde à verdade, apenas uma
mentira bem intencionada que tinha como destinatários os meus
progenitores!
Ontem mesmo (e desculpem o
assunto pessoal), em conversa com a minha mãe, que já vai nos seus 96 anos, quis
armar-me em esperto e contei-lhes algumas das aldrabices e omissões com que a
brindei nas missivas, fazendo-a crer, devido a uma doença do foro cardíaco que a
atormentava na época, que, em Angola, eu não estava na zona de guerra nem no mato,
mas, sim, num paraíso como se estivesse em férias permanentes!
Ouviu-me, como sempre sem
me interromper, e no fim disse-me com o seu ar calmo, de quem não tem pressa
para coisa nenhuma:
«Então, 40 anos depois estás aqui com esse ar todo
esperto e na altura não tiveste esperteza para perceberes nas
minhas cartas que eu nunca acreditei
numa palavra tua?! Tu até tiraste uma fotografia à porta de uma igreja com o teu amigo da Marinha
Grande, só para dizeres que ias à missa! Foste lá uma vez ou duas, e vá lá…vá
lá!..., não te conhecesse eu de gingeira! E não me venhas para aqui falar outras
vez que aquilo é que eram bons
tempos!..., já ficas de aviso!
E avisado fiquei, e até meio desconcertado,
quando vi o dedo indicador na direcção dos meus olhos!
Bons tempos não terão sido,
dei eu comigo a pensar, com um filho recém-chegado de Zalala e outro recém-chegado ao Quitexe! E também com oito vizinhos, simultaneamente, divididos por
Angola e Guiné e com noticias aterradoras que punham a pacatez daquele canto da
aldeia em estado de sítio! Para entender, não será necessário puxar muito pela
imaginação!
Ora bolas, fiquei eu a
pensar diante do ar calmo e extremamente maduro da minha mãe, tantos cuidados
com as cartas e fotos, algumas tiradas em Luanda e Carmona, e venho a saber que
a minha esperteza, afinal, não terá passado de esperteza saloia! Digo
eu!
Sim senhora, senhora minha
mãe, depois do meu pedido de desculpas, aqui me penitencio! É a
vida!!!
ACF
Muitos parabéns pela mãe que ainda tem e que ela conserve sempre essa lucidez que o amigo Celestino descreve.
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