quinta-feira, 2 de novembro de 2017

3 932 - Memória do alferes Garcia, que a morte levou há 38 anos!

O alferes Garcia, aqui em baixo, o segundo a contar da direita, e homens do
 PELREC. Faleceu há precisamente 38 anos, vítima de acidente de viação,
entre Viseu e Mangualde, quando, como agente da Polícia Judiciária,
investigava o caso Ferreira Torres

O alferes miliciano António Manuel Garcia, em 1975.
à porta d´armas do BC12, em Carmona


O dia de hoje é de memória do saudoso  alferes miliciano António Manuel Garcia, de Operações Especiais (Rangers), comandante do PELREC da CCS e falecido neste dia de 1979, vítima de um acidente de viação - era agente da Polícia Judiciária e investigava o caso «Ferreira Torres».
Aqui o recordamos, de crónica publicada a 9 de Abril de 2009:
«Garcia não era homem de olhar para trás, se perigo se previsse, ou sentisse, na hora dos medos. 
O 1º cabo Emanuel Santos, o 1º. sargento João
Barata e o alferes miliciano António Garcia à
porta do comando do BCAV. 8423, no Quitexe!
Transmontano, de Pombal de Ansiães (Carrazeda de Ansiães), era exemplo permanente de coragem e determinação. Militar bem preparado, também ele viveu e sentiu as exigências do segundo turno de Operações Especiais (Ranger´s), no CIOE de Lamego - como eu, o Neto e o Monteiro. Era o nosso comandante de pelotão.
Com ele, vivemos as primeiras diferenças entre a paz e serenidade do aquartelamento e os 
O alferes Garcia e o furriel Viegas, ambos milicia-
nos do PELREC do BCAV. 8423 e em momento
 de saída do Quitexe para mais uma operação
militar nas matas do Uíge
temores que se nos levedavam no peito, sempre que galgávamos os trilhos e picadas semeadas de ameaças - de arma em riste, imaginando e temendo que, no horizonte misterioso e a perder de vista, um qualquer perigo nos amortalhasse.
O alferes Garcia era generoso e valente, nunca um passo se lhe recuou, para fugir de qualquer perigo. A 1 de Junho de 1975, Carmona era um inferno de fogo. A FNLA e o MPLA lutavam quase corpo a corpo, ensaguentando e 
O Hospital de Carmona
enlutando a cidade. Obuses, morteiros e granadas rebentavam a todo o instante. As rajadas faziam estranhos coros nos céus e as Forças Armadas Portuguesas tinham a missão de proteger os civis. Missão nada fácil, numa cidade que não tinha a tropa em grande cuidado e respeito.
Ao passar frente ao liceu, nessa alvorada de domingo, a Berliet em que seguíamos para o BC12 foi atacada e uma rajada silvou sobre as nossas cabeças. «Filhos da p...», ouviu-se um grito de aflição. Chegámos, por momentos, a pensar que o Cândido Pires, furriel sapador, tinha sido atingido. Não tinha.
A missão da tropa portuguesa era proteger os civis e garantir a segurança das posições-chave da cidade: abastecimento de água, a electricidade, as entradas e saídas, o aeroporto, o hospital, por exemplo. Calhou-nos o hospital, já para fim dessa tarde de domingo, depois de recolhermos centenas e centenas de civis, alojando-os na parada do BC12. Ao hospital, chegavam dezenas e dezenas de feridos. E alguns mortos. Nenhum «fnla» ou qualquer «mpla» lá poderia entrar, fosse a que pretexto. Muito menos se estivesse armado. As nossas instruções não seriam poupadas.
«Sabes se há feridos, se há mortos dos nossos?!...», perguntei eu ao alferes Garcia, acabado tinha ele de falar, via rádio, com o comando do BC12. Não havia, entre a tropa portuguesa. Nesse momento, sucessivas rajadas faíscaram nos telhados de zinco (?) do hospital. Claramente disparadas de muito próximo de nós. Estávamos a ser atacados?! Rastejou o Garcia, com um sinal para mim, convencionado. Latejávamos, ambos e as duas dezenas dos nossos bravos soldados. Eu a três, quatro metros dele.
«Comanda, Viegas!...», gritou-me ele. E avançou, a rastejar. Corajosamente! Atrás de uma pequena árvore de jardim, numa das entradas do hospital, estava um homem do MPLA. Esfacelado de dor, de vísceras aparentemente soltas, rosto molhado de sangue!!! Pegou nele o Garcia, gritando-me, de novo: «Segurança!!!...»
Os 30 metros até à entrada do hospital foram corridos em breves segundos! O homem foi salvo!!! As rajadas eram para ele, disparadas de um prédio! Apanhámos os homens, que ficaram presos no BC12, até que outro destino lhe foi dado!
Nesse domingo de quantas emoções, houve correio para mim, quando a noite já ia grávida de ainda mais medos: minha irmã Ana Maria anunciou-me, por aerograma, que ia ser mãe pela segunda vez. Por uns momentos, pensei na ironia da vida: iria nascer a Marta (em Agosto seguinte) e eu, e aquela tanta gente, num cenário de morte, que nos espreitava a cada momento!».

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