As páginas 5 e 6 da reportagem publicada no jornal «Sol», de 1 de Fevereiro de 2020, sobre a viagem do furriel Viegas a terras dos Cavaleiros do Norte do BCAV. 8423 |
O furriel Viegas em frente à messe de sargentos do Bairro Montanha Pinto, a 25/09/2019 |
43 anos depois (3)!
O regresso
a Carmona
Carmona, a agora cidade do Uíge, está aqui na frente, já a cortar para praça central, onde reencontro os edifícios coloniais da Zona Militar Norte (agora Tribunal Militar), a Câmara, os CTT, o Tribunal, o jardim bem cuidado e a avenida Capitão Pereira, agora Agostinho Neto, e com um edifício novo - o de apoio dos deputados provinciais.
O cheiro uíjano é o mesmo de há 44 anos, sinto-o…, e a emoção reaviva a memória, recuando no tempo, a 1 de Junho de 1975, quando, enlutada em guerra aberta, com ferozes e sangrentos combates entre FNLA e MPLA, os Cavaleiros do Norte acudiam a todos, sem diferença de cor e de ideologia.
«A matança prossegue em Carmona (...). As ruas estão cheias de cadáveres (...)», noticiava o Diário de Lisboa, acrescentando que «comandos da FNLA invadiram e destruíram as casas de dezenas de simpatizantes do MPLA» e que «os que escaparam refugiaram-se no Paço Episcopal e no aquartelamento Português» - o BC12.
milhares de civis!
Os trágicos combates de Carmona tornaram os Cavaleiros do Norte homens sem sono, em missão permanente e sem um recuo. Sem descanso, sequer fome, nesses 6 dias de guerra aberta, rasgada e multiplicada pelos cantos da cidade. Referia o DL que «o Exército Português procura impedir os raids dos homens de Holden Roberto, que retomaram tragicamente, os métodos da UPA, em 1961».
O quartel (o BC12) acolheu milhares de civis, assim evitando a matança, que chegou a ser tentada nas camas do hospital, impedida pelos militares portugueses, logo a 1 de Junho e dias seguintes de 1975, quando Carmona era um inferno de fogo e combatentes da FNLA e do MPLA lutavam quase corpo a corpo, ensaguentando e enlutando a cidade. Obuses, morteiros e granadas rebentavam noite e dia. As rajadas faziam estranhos coros nos céus e a tropa portuguesa tinha a missão de proteger os civis e equipamentos públicos, numa cidade que não a tinha em grande cuidado e respeito.
Ao passar frente ao liceu, nessa alvorada de domingo, a Berliet em que seguíamos para o BC12 foi atacada e uma rajada silvou sobre as nossas cabeças.
«Filhos da p...», ouviu-se um grito de aflição. Foram momentos sem recuo, de enfrentar tudo e todos, sem temores. Nada iguais aos vividos sempre que galgávamos os trilhos e picadas e as matas semeadas de ameaças - de arma em riste, imaginando e temendo que, no horizonte misterioso e a perder de vista, um qualquer perigo nos amortalhasse. Foram piores.
Tudo isso me renasceu na memória: o cruzamento do sinaleiro da Rua do Comércio, onde mulher europeia dias antes nos cuspira e batizara a tropa de cobardes e traidores e nessa madrugada, com 4 ou 5 crianças, nos pediu apoio e levámos para o quartel; a Rádio Clube de Uíge, de onde «vimos» a matança do capinzal, para o lado da zona industrial, e de lá recolhemos feridos, onde achámos uma bota com pé negro dentro, de corpo regado a gasolina e cortado a catanada; os combates dos bairros suburbanos, regados de sangue de angolanos que entre si lutavam, irmãos da mesma luta pela independência mas ali inimigos de morte; o choro da muita gente que não entendia aquela luta e pedia apoio à tropa portuguesa. Nunca recusado. O edifício do Banco de Portugal, de onde escoltámos pesado carregamento de valores, para o aeroporto.
A Zona Militar Norte (ZMN) e Comando do Sector do Uíge (CSU), agora Tribunal Militar das Forças Armadas de Angola |
A Carmona colonial
continua quase igual !
O Exército Português estava limitado ao Batalhão de Cavalaria 8423 - e nem todas as Companhias... - e Deus sabe quanto heroísmo, quanta bravura, se soltou da alma dos bravos homens que do BC12 saíam para a cidade, enfrentando mil perigos e salvando centenas de vidas, permanentemente arriscando as suas! Há 44 anos!!!
Tudo isto me vem à memória, neste regresso à saudosa Carmona, que agora é Uíge, e era cidade moderna, jovem, febril e super-activa, parecendo desenhada a régua e esquadro, com bairros e jardins onde se semeavam verdes, os bairros habitacionais compartilhados por brancos e negros, angolanos de todas as cores, credos e origens! A piscina, a zona industrial, a praça dos serviços públicos: Tribunal, CTT, Paços do Concelho e Comando Militar. Tudo soltou memória de saudade da terra uíjana de Angola!
A malha urbana colonial continua praticamente igual - mas agora rodeada de bairros, que a cercam, até e depois do BC12 e na estrada para o Songo. Há alguns edifícios não concluídos e abandonados e escolas novas, na saída para o Quitexe, por lá se achando muitos estudantes.
Os locais de culto da tropa portuguesa ainda por lá se encontram: o renovado Pinguim, o bar do Eugénio, o mercado, o velho Cine Moreno, o pavilhão do Recreativo do Uíge, as piscinas, a emblemática Rua do Comércio, o bairro Montanha Pinto, o aeroporto, o bar Diamante Negro - quem o pode esquecer? Fechadas, achámos muitas lojas do tempo colonial e também o restaurante Escape, moda dos idos 1975.
Foi esta Carmona que recordei, 44 anos depois, em jornada de saudade pela terra africana do Uíge angolano.
CELESTINO VIEGAS
(Reportagem publicada no jornal "Sol" de 01/02/2020 - fim)
Alferes António Cruz,
75 anos em Santo Tirso !
O alferes miliciano António Albano Araújo de Sousa Cruz, da CCS do BCAV. 8423, festeja 75 anos a 24 de Setembro de 2020, na sua terra de Santo Tirso.
Engenheiro de formação académica e mecânico-auto de especialidade militar, o alferes Cruz notabilizou-se de tal modo que o pelotão que proficientemente por lá comandou foi louvado pelo Comando do Batalhão, atestando-o como «equipa de trabalho, com espírito de entreajuda e sacrifício, procurando tirar o maior rendimento do seu labor», conforme se lê, na Ordem de Serviço 181 do BCAV. 8423.
Aposentado, pai e avô, mora em Santo Tirso, a sua terra natal, para onde vai o nosso abraço de parabéns!
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