segunda-feira, 27 de setembro de 2021

5 565 - A revolta, há 47 anos, da Companhia de Caçadores 209/RI 21, a da Fazenda do Liberato!

 

O PELREC, há 47 anos, «parou» os revoltosos do Liberato. Atrás, alferes Garcia, Caixarias, 1º. cabo Pinto,
Marcos, furriel Viegas, António, Florêncio, Messejana, Neves e 1º. cabo Almeida. Em baixo, furriel Neto,
Madaleno, Aurélio, 1ºs. cabos Hipólito e Oliveira (TRMS), Leal, Francisco e 1º. cabos Soares e Vicente

O capitão Victor Almeida, comandante da CCAÇ. 209/RI21
 (e esposa), o furriel Oliveira e dois militares do Liberato


A 27 de Setembro de 1974, no Quitexe da nossa saudade, soou o alarme. Ofegante e preocupado, a correr..., visivelmente ansioso, o alferes Garcia apareceu no quarto dos furriéis Neto e Viegas - que mal desfizera a pequena mala das férias corridas na imensa, doce e sensual Angola.
Chegado na véspera.
«Vamos sair!!!...», gritou o alferes, meio esbaforido, de lenço verde a limpar suor da face, algo tenso.
E ficou meio especado, de mãos nos quadris, à espera que matássemos a preguiça que nos deleitava o resto de tarde.
Tínhamos chegado poucas horas antes de mais uma escolta, o sol batia a pino e o que mais apetecia era ficar por ali, a sombrear o corpo na quietude da casa dos furriéis, à espera da hora de jantar.
«Vamos sair!!!... E jáááá!!!...», repetiu o alferes Garcia.
Determinado, diria que solene, e de ar grave, firme. Ansioso.
Não era vulgar, por aquele tempo, que ele saísse connosco em operações, escoltas ou patrulhamentos, por se ocupar no gabinete de operações - onde substituía, ou ia substituir o capitão ´José Paulo Falcão. Por isso, estranhámos.
«Vamos sair?!...», perguntou o Neto, resmungado e arengando algumas imprecações de momento. Afinal, acabáramos de chegar de uma escolta, cansados, em hora de banho rápido para lavar a lama feita do suor e da terra vermelha das picadas de Angola.
O Viegas, a olhá-lo de esguelha, desconfiado e expectante. resmungou: «É sempre a mesma m..., pá!!! Mas o que é que se passa agora?».
Virou-lhe as costas e apertava o cinturão e aprontava a G3 que repousava ao lado, o mesmo fez o Neto, quando ficámos a saber: a companhia do Liberato tinha-se revoltado, havia presos, talvez mortos, avançavam para o Comando de Sector, em Carmona, tínhamos de os ir «parar».

Furriéis Flora (de pé, à esquerda) e Gaspar,
mecânico-auto (com o cão) e outros militares
da CCAÇ. 209/RI 21, a da Fazenda Liberato

Os revoltosos
do Liberato

O bravo PELREC rapidamente formou à porta caserna, armado até aos dentes, os 1ºs. cabos com dilagramas, armamento semi-pesado na garupa dos Unimog´s, protecção o mais que se podia. 
 Apresentei o grupo ao alferes Garcia, na parada, e fomos em passo formal até onde estava o comandante Carlos Almeida e Brito e outros oficiais, à saída do posto de rádio.
A ordem foi tensa, silábica, letal: impedir os revoltosos do Liberato de avançar para Carmona. A todo o custo. Só por cima de nós. Seria por cima dos nossos cadáveres, se tivesse de ser!
Formado ao lado de Garcia, ligeiramente atrás, como mandavam as regras, olhei-lhe de soslaio o rosto tenso. Mas sem uma tremura. Mas firme! Confiante! A mim, deu-me para deixar cair uma breve lágrima - que disfarcei no suor que nos caía em bica, pela cara abaixo. Senti-me seguro e invadido de uma estranha calma, uma paz serena: «Hoje é que vai ser!...».
O Neto, do outro lado, à esquerda, não deixou mexer um nervo, a olhar o céu de Angola, ganhando confiança.
O pelotão pôs-se em sentido, à ordem do alferes Garcia. Estava ali, garboso todo ele, e sem um medo, pronto, prontíssimo para o que desse e viesse. Eram todos rapazes de coragem! Fez ombro-arma a Almeida e Brito, que correspondeu, seráfico: «Sorte, rapazes!».
Subimos para os unimogs. «Lembras-te de Lamego?... A serra das Meadas?!!...».
Olhou-me o Garcia, despejando-me os olhos com espantosa serenidade. Sem responder, sem uma palavra, sem pestanejar, apenas com um brevíssimo acenar de cabeça, com a G3 apontada ao céu e as ancas carregadas de granadas, as cartucheiras como uma mulher grávida: cheias de munições!
O Soares, o sempre renitente e reivindicativo 1º. cabo Soares, olhou-nos com um sorriso amarelado de ironia. «É desta vez?!...», perguntou ele, enquanto se acomodava nos bancos corridos do unimog. Ia ele com um dilagrama, seria dos primeiros a disparar, se necessário fosse. O «esta vez...» do Soares seria um combate a sério, o deflagrar de metralha, o silvo das rajadas das metralhadoras, o cheiro da pólvora e a lama do pó vermelho de Angola feita de sangue! A morte, caso fosse...
O aquartelamento do Liberato

Vamos, vamos, vaaaamos!!!...,
vamos e sem quaisquer medos!

«Vamos, vamos, vaaaaamos!!!...», gritou o alferes Garcia, com isso apressando os bravos «pelrec´s», enquanto outros já aperravam armas, trocavam as munições para os dilagramas, aprontavam miras e se engravidavam de dúvidas. 
Estes momentos podem não ser de medos, mas são de dúvidas, de ansiedade, de constrangimentos invisíveis.
O Neto, de outro unimog, fez-me um sinal de confiança. E era confiança que se sentia. E a coragem sentíamo-la nós a levedar na alma, naquela ordem recebida para a morte. Sentia-se determinação, bravura, generosidade e partilha solidária de um momento que poderia ser véspera de tragédia.
«Não te sentes na serra das Meadas?!!!...», ironizei eu de novo, para o Garcia. Eu tinha saltado para o chão vermelho da avenida do Quitexe e soltei-lhe a pergunta, como que a querer iludir os meus medos. Os nossos medos. Falar da serra das Meadas era recordar o tempo da nossa preparação militar em Lamego, preparação «para a guerra!...». Aí a tínhamos nós!
Felizmente, não houve confrontação. Evitou-se uma tragédia. - Ver amanhã.


Catuna Santos

Catuna de Zalala, faria
69 anos e já faleceu !

O soldado Catuna dos Santos, Cavaleiro do Norte da 1ª. CCAV. 8423, a da Fazenda Maria João, a de Zalala, estaria hoje em festa: comemoraria 69 anos! Faleceu em data desconhecida.
Joaquim José dos Nascimento Catuna dos Santos (o Tininho) foi atirador de Cavalaria dos «zalala´s» e impedido na messe de oficiais. E
ra natural da Guia, concelho de Albufeira, no Algarve, e lá voltou a 9 de Setembro de 1975 - quando terminou a jornada africana das terras uíjanas de Angola. Sabemos que, durante vários anos, esteve emigrado no Brasil, pequeno empresário de restauração, com restaurante e bar-lanchonete na cidade do Rio de Janeiro.
Regressou a Portugal em  data indeterminada e em data desconhecida faleceu no Algarve. Hoje o recordamos com saudade. RIP!!!

 

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