quarta-feira, 16 de março de 2016

3 337 - Adaptação à cidade, a PM e a hostilidade da população

Cavaleiros do Norte do parque-auto, a «ferrugem». Assinalados estão 
o alferes António Albano Cruz (a amarelo), o 1º. sargento Joaquim Aires 
(vermelho) e o furriel Norberto Morais (branco) 

O furriel Viegas, no Quitexe, a «escrever
memórias», muitas das quais já foram faladas
neste blogue, fazendo parte da história da jornada
africana dos Cavaleiros do Norte no Uíge angolano

Aos meados de Março de 1975, pela terra angolana do Uíge, os Cavaleiros do Norte continuavam a sua missão, relativamente indiferentes aos tempos de crescente instabilidade que levedava pela capital (Luanda) e outras zonas do imenso território que Diogo Cão descobriu e que, ao tempo, crescia para a independência.
Carmona, a capital uíjana, oferecia um mundo novo aos «apetites» dos jovens combatentes, que por lá debutavam a (sua) vida urbana e se adaptavam aos desafios que se abrem numa cidade, «coisa» nova para a generalidade dos jovens Cavaleiros do Norte da CCS, que lá se aquartelavam no BC12, desde o dia 2. Não eram, agora, os desafios e os medos que se tinham «ganho» nas operações da mata fechada e tenebrosa, angustiante, galgando os trilhos semeados de minas e armadilhas, muito perigosos..., de emboscadas traiçoeiras e mortais; ou das escoltas ou das patrulhas apeadas, garantindo alas de segurança para quem transitava ou habitava nas terras mártires do nosso saudoso Quitexe. Eram os desafios e os medos que espreitavam nas esquinas das ruas, ou do alto traiçoeiro de uma janela dos altos edifícios da cidade; eram as acusações injustas que lhes eram atiradas à cara, era a crescente hostilidade da comunidade civil. A branca e europeia, em crescente animosidade e que nos chamava de cobardes e traidores; a local, que espreitava o momento mágico da sua independência e, o mais rápido que fosse possível, nos queria ver pelas costas.
Carmona, actual cidade do Uíge. A Rua do Comércio e o
popular sinaleiro. Neste local, hoje se fazem 41 anos,
registou-se um incidente entre a PM do BCAV. 8423 e
um grupo de civis
As nossas instruções eram rigorosas: não reagir às provocações! A PM improvisada do BCAV. 8423 controlava os Cavaleiros do Norte na cidade uíjana e garantia o seu bom comportamento, prevenindo incidentes e agindo pela força, se necessário! 
A 16 de Março, um domingo, hoje se passam 41 anos..., na Rua do Comércio, uma unidade PM parada no cruzamento do sinaleiro (foto), foi insultada e cuspida. «Filhos da p..., cobardes!!! Traidores de m... Cabrões», gritou uma mulher, ali parada com alguns familiares, espumando de raiva e despejando cuspe para cima do jeep militar. 
Reagiu o João Marcos, bravo e garboso Cavaleiro do Norte do PELREC, atirador de Cavalaria do BCAV. 8423 e querendo desforço.
«Fod.... já, raaaanhosos!...», gritou ele, tentando saltar da viatura, para retaliar, mas impedido pelo furriel que comandava a força PM. E saiu este da viatura, aconselhando serenidade à família, para evitar confrontos. E foram evitados, mas tendo ele, porém, de ouvir, o mais tolerante que foi capaz e seguro, mais acusações:
«Vocês são todos uns traidores, uns cobardes, estão a dar isto aos pretos...», disse um dos vários homens do grupo, com ar ameaçador, agressivo e colérico, de olhos a faiscar raiva, com evidente instinto de agressão física.
A serenidade do grupo PM evitou o confronto e semanas depois, numa daquelas dramáticas ironias da vida, foram estes mesmos Cavaleiros do Norte quem, perto do Cinema Moreno, acudiram a um assalto à casa do mesmo homem, quando homens da FNLA já lhes carregavam mobília e vários bens e roubado jóias, dinheiro e valores. 
«Somos nós, somos!!...», disse-lhe o furriel, contemporizador mas preciso. «Os traidores e cobardes da Rua do Comércio!!!... Lembra-se?!», acrescentou-lhe, em pergunta, com tranquilidade mas em evidente ironia - já depois de terem desamarrado os familiares, atados com cordas às barras das camas.
Foi isto há 41 anos!
Quando Angola evoluía para a independência e os Cavaleiros do Norte faziam de Carmona e do Uíge uma fortaleza de segurança, que duraria até à madrugada de 4 de Maio, quando os trágicos incidentes desse e dias seguintes tantos lutos fizeram na cidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário