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ANTÓNIO C. FONSECA
Texto (e na foto)
Nunca fui grande apreciador
de bebidas brancas e, talvez por isso mesmo, tenha sido dos poucos sem stock de
garrafas de whisky, principalmente do que se fabricava em Angola. Não era grande
coisa, segundo diziam os entendidos na matéria, embora alguns destes
“entendidos” nunca tivessem provado tal tipo de bebida antes de pisar solo
angolano! O que normalmente se bebia por cá era vinho, do bom, do puro, da
adega, ali a escorrer da ruidosa torneira de madeira! Agora, whisky…, qual
whisky, deixemo-nos de coisas!
Mas tínhamos por lá, pelo
Quitexe, grandes apreciadores e também dos que faziam grandes negócios com o
dito! Negócios feitos, alguns por gente do quadro, já batidos naquelas
andanças e sempre à espreita do lucro fácil! Já se tornava difícil avaliar quem
conseguia maiores lucros, tais eram as movimentações e os esquemas que aqueles
cérebros engendravam. Negócios que, por vezes, punham a um canto os bem sucedidos
esquemas dos combustíveis e outros, supervisionados pelo Palma, que também é
Florentino e com raízes em Mira d’Aire (isto em resposta à pergunta, não
inocente, do Cavaleiro JD)!
Claro que nunca me
interessaram tais actividades e até delas me ria quando, ingenuamente, alguns
falavam quase em código, pensando, talvez, serem os únicos seres inteligentes à
face da Terra! Todos os outros eram burros, porque não percebiam o que se
passava, ou porque não eram suficientemente espertos para o negócio! Mas diz-nos
a vida que, quando nos sentimos os únicos espertos, estamos à beira de sentir
também cangalhas nas costas, colocadas por supostos asnos!
Tudo isto me passaria ao
estreito, não tivessem um dia tentado usar-me no negócio das bebidas!
Então e não é que certo
dia, no posto de rádio, fui confrontado com uma ordem estranha de um 1º, sargento
do quadro?! Abeirou-se de mim, com uma lista na mão, para que eu contactasse, via
rádio, os seus tentáculos espalhados pelas companhias operacionais?! E que o
fizesse usando os códigos possíveis, afim de não ser
detectado!
Afinal, o esquema já
ultrapassava a barreira da CCS, coisa que eu até ali
desconhecia!
Estupefacto, ouvi o recado
até ao fim, como um bom subordinado, mas no fim saltou-me a tampa e meti o 1º. na
rua, à bruta e sem medir as consequências, valendo-me eu da área ser
reservada!
«Empurraste o nosso 1º., pá!!!!... Vamos ver se o gajo não te f…lixa!», dizia-me preocupado o Mario
José, que eu acabara de substituir e que já se prontificara a ficar no meu lugar
enquanto eu chamava o oficial de transmissões ao posto de rádio, afim de lhe dar
conta do sucedido e proceder como ele melhor entendesse!
Tanto quanto soube, o 1º. sargento não se livrou de um forte aperto de calos, não passando de mais um no
vasto currículo. A minha atitude mais brusca, assim como o meu depoimento, só
não se viraram contra mim porque o Zé, que era (e é) de Murça, e que ainda faz o
favor de ser meu amigo, disse ao comandante Trindade e Lima: «Meu comandante, posso não passar de soldado borra-botas, mas
ninguém é mais honesto que eu!».
O comandante apreciou, e
muito, a sua postura, mas aquela do “borra-botas”, nem por
isso!
«Fica o soldado a saber que neste batalhão não há borra-botas!»,corrigiu-o, com voz forte e determinada, demonstrando a quem cabia
a última palavra!!!
E a vida no Quitexe
continuava, calma e serenamente, também um pouco alimentada por estes e outros
episódios que no fundo nos aliviavam de outras preocupações! E
distraíam!
ANTÓNIO C. FONSECA