terça-feira, 31 de julho de 2012

1 365 - A chegada da Companhia de Comandos a Carmona

Vista aérea do BC12, quartel militar de Carmona


A 31 de Julho de 1975, chegaram a Carmona e ao BC12 viaturas e tropas de reforço para a rotação dos BCAV.8423 para Luanda - onde os esperava o Campo Militar do Grafanil e umas semanas de espera, antes da partida para Lisboa e o adeus à guerra que fazia arder Angola. 
A CCS e a 1ª. Companhia iriam de avião, a 3 de Agosto. Per terra, e para uma evacuação que viria a ser épica, iriam a 2ª. e a 3ª. CCAV., as de Aldeia Viçosa e Santa Isabel, o tempo aquarteladas em Carmona, Com apoio de uma companhia de Comandos e outra de Paraquedistas. E Fiat´s, heli-canhões e heli-macas. 
O momento, à distância de 37 anos, não pode deixar de ser lembrado com emoção. Pela tensão e ansiedade que se viviam, pelo evocar dos constrangimentos que se sentiam, provocados - essencialmente, pela levedada pressão da FNLA , que por lá era senhora da guerra (entre movimentos emancipalistas) e a tropa portuguesa conflituava permanentemente, com repetidas exigências.
A chegada da Companhia de Comandos (instalada no BC12) levou-nos a procurar alguém conhecido, para saber novas de Luanda,. Foi o alferes Infante que encontrámos e dele soubemos o que era o «poder popular» que se multiplicava pela capital e arredores. Tínhamos sido contemporâneos em Lamego, dois anos antes, era ele furriel miliciano, meu conhecido por ser da Companhia do Alferes Ferreira (aqui meu vizinho de aldeia). E eu, instruendo do 2º. curso de Operações Especiais - os Rangers de 1973.
A tropa portuguesa dava as últimas voltas à cidade, em serviços ou turismo, no adeus que ia ser definitivo a capital do Uíge e os «comandos», bem à sua maneira, criaram alguns problemas. Até no BC12, onde o capitão comandante da Companhia, a reuniu para um chá de boca e castigos físicos na parada.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

1 364 - A tropa anunciou, oficialmente, que ia sair...

Rotunda Rimaga, em Carmona. Por aqui passámos 
várias vezes há precisamente 37 anos, em «pic-nic» militar

Aos 30 dias de Julho de 1975 passei eu algum tempo no torreão frontal do BC12, do lado de Carmona, a «cortar na casaca» de um sargento por quem não nutria afeição especial. Eu  e o Pires, o de Bragança, que me ouvia sempre muito preocupado pelo eco da minha voz, que por certo chegaria ao gabinete de operações - lá mesmo abaixo.
O pormenor, que vou dar de barato, só aqui vem ao blogue porque, nesse entretém de «costura» verbal, andaram a procurar-me na quartel, sem me verem por lado nenhum. Nem no bar, que era um pouso certo; nem nas camaratas do PELREC, por onde passava muito do meu tempo. 
O que se passava, então? Foi o alferes Garcia quem narrou, porque o pelotão ia entrar de prevenção: o comandante Almeida e Brito, acompanhado de alguns oficiais, ia formalizar a comunicação de saída dos Cavaleiros do Norte, no Estado Maior Unificado, que incluía oficiais da FNLA.
O que o alferes Garcia nos disse, com aquele ar por vezes enigmático que o caracterizava, sempre sorridente, era que, aprudentando qualquer situação menos agradável, parte da guarnição entrava de prevenção. E que o nosso grupo de combate (o PELREC) ia «passear para a cidade». Estou certo que usou expressão do género: «Vamos dar um passeio e fazer um pic-nic...».
E que pic-nic!!
Passámos pelo (nosso) Bairro Montanha Pinto (onde morámos, na antiga messe de oficiais), no Popular, pelos lados de piscina, bairro industrial, ruas do Comércio e Capitão Pereira, com várias voltas à rotunda da Rimaga. Sempre de arma com bala na câmara, alguns com dilagramas e sem faltarem granadas defensivas. Nada de especial aconteceu e voltámos ao BC12!

Sabíamos que no dia seguinte chegaria tropa de Luanda, para apoiar a retirada para Luanda.

domingo, 29 de julho de 2012

1 363 - Os incêndios das ruas de Julho de 1975!


Quartel do BC12, na saída de Carmona para o Songo. A amarelo, o bloco onde 
os furriéis viveram os últimos dias. A roxo, nota-se o depósito de água da parada


As malas faziam-se e fechavam-se, por Carmona, aos 29 para 30 e dias seguintes de Julho de 1975. De Portugal, chegam notícias de incidentes em Águeda, a 26: decorria o mercado-feira desse sábado e «um grupo de centenas de manifestantes assaltaram a sede do PCP», partindo vidros, forçando portas e entrado nas instalações, «onde se encontravam 15 militantes».
A GNR, comandada por um capitão, «foi impotente para impedir que se concretizasse a vontade dos manifestantes». Não houve confrontos físicos de gravidade, mas «mobiliário, fotocopiadores, camas, máquinas de escrever, ficheiros, arquivos, etc., foram arremessados para a rua e consumidos pelo fogo». E foram encontradas armas, entregues aos militares.
Os acontecimentos de Águeda (que agora reli, refrescando a memória num aerograma do amigo Fernando de Almeida, de 27 de Julho, que me chegou a 29 - faz hoje 37 anos, uma 3ª.-feira) eram a amostra do Portugal que medrava para o Verão Quente de 1975! O Portugal para que nós queríamos regressar, tão já quando possível. Na véspera, 2 de Julho, o general Costa Gomes presidira à abertura da Assembleia do MFA e afirmava que «as revoluções são um momento histórico que se aplica a um momento concreto, que é como é e não como sonhamos que deva ser».
O confuso momento que então se vivia - por Portugal e Angola -, num lado a revolução a procurar-se a si mesma; noutro, a querer construir-se um país mergulhado em guerra civil -, constrangia, de alguma maneira, a alma de alguns, na guarnição uíjana.
O Portugal livre e democrático crescia em manifestações de violência, cavando fosso enorme entre os sonhos dos cravos de Abril de 1974 e os incêndios das ruas de Julho de 1975! Ainda bem que, ao tempo, a verdura da idade não nos deixou ver (com olhos de ver e alma de sentir) a verdadeira gravidade da situação. Fomos evitados a algumas amarguras.

sábado, 28 de julho de 2012

1 362 - A operação de saída de Carmona para Luanda

Bar Gomes, à direita, a cobertura sob a árvore


A rotação do BCAV. 8423 para Luanda, no adeus definitivo ao Uíge, foi anunciada para 3 de Agosto e envolveu «a esquematização e montagem de uma operação para esta saída, que não se anunciava fácil».
A 28 de Julho (hoje se fazem 37 anos) - como a 23 e 29 -, realizaram-se reuniões de trabalho com elementos do QG/RMA, de modo «a obter os meios necessários à execução de tal operação».
O ambiente na guarnição era de crescente descompressão e nem nos atemorizavam as notícias que nos chegavam de Luanda - onde se multiplicavam incidentes e à boca cheia se constava que militares cubanos estavam no terreno, em auxílio do MPLA. Por mim, nunca dei por eles.
Os últimos serviços faziam-se e também as últimas refeições na cidade - no Escape (o meu preferido e ao tempo muito modernaço e de inauguração recente) no Shop-Shop, no Chave de Ouro, no restaurante do aeroporto ou no das piscinas, ou umas petiscadelas no Bar do Eugénio, ou no Gomes, por aí fora.
De Portugal chegavam notícias: por exemplo, uma «manifestação reaccionária» em Aveiro (nas barbas da minha Águeda),
com padres, bispos e povo em defesa da Rádio Renascença .
«Uma ampla margem de segredo e ininteligibilidade afasta da maioria dos portugueses a possibilidade de perfeitamente compreenderem o processo revolucionário em curso», escrevia Vitor Cepeda Mangerão, amigo que ao tempo acabava o curso de Direito em Coimbra.
E o que quer isso dizer?, perguntei eu, com resposta dias depois:
«Há perguntas sem resposta clara, apesar da presença repetida de de altos responsáveis do MFA frente às câmaras de televisão. Há dúvidas que permanecem e se avolumam; há, sobretudo (o que é tão grave, que é o pior...), um crescente sentimento, e generalizado, de instabilidade íntima que leva, até, à não aceitação de verdades porventura evidentes e razoáveis».

Victor Cepeda Mangerão acrescentava pormenores que, lidos agora (35 anos depois), deixam concluir quanto certo estava o então jovem advogado quanto ao Verão Quente de 1975 que se levedava em Portugal.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

1 361 - Construir uma Angola nova, em ambiente de paz e fraternidade

Rosa Coutinho, Pinheiro de Azevedo, Costa Gomes, António de Spínola, 
Jaime Silvério Marques e Galvão de Melo - a Junta de Salvação Nacional (1974)




A 27 de Julho de 1974 - hoje se completam 38 anos! -, ainda éramos nós "maçaricos" pelo Quitexe, e o contexto histórico apontava para «uma mutação na guerra que se enfrenta desde 1961», como leio no Livro da Unidade. O que, e dele anoto, «impõe, pela futura situação a viver, uma grande espírito de corpo e de missão». 

O dia foi de registar, essencialmente porque, adivinhando-se «uma solução para o problema militar» de Angola, o Presidente da República (o general António de Spínola) emitiu uma mensagem às tropas, seguida de outra, do Presidente da Junta Governativa de Angola.
Esta:


1º.- Após proclamação histórica hoje dirigida à Nação pelo Presidente da República, a missão das Forças Armadas em Angola será dirigida especialmente no sentido de garantir a segurança da população e capacidade de construir uma Angola nova, em ambiente de paz e fraternidade.
2º.- Acções contra bandos armados que possam ainda ser hostis, são limitadas a defesa própria e a preservar a vida e bens dos habitantes pacíficos, devendo, neste caso, ser usadas, se necessário, as maiores determinações e firmeza.
3º. - Angola terá que orgulhar-se da acção das Forças Armadas no auxílio à construção do seu futuro e estas deverão demonstrar toda a coragem, disciplina e capacidade, de forma a manter intacto o seu prestígio, tão duramente alcançado.

O Presidente da Junta Governativa era o almirante Rosa Coutinho, que, a 24 Julho de 1974, substituiu o Governador-Geral, general Silvino Silvério Marques, sendo nomeado Presidente da Junta Governativa de Angola, onde permaneceu até à assinatura dos acordos de Alvor, regressando a Lisboa a 28 de Janeiro de 1975.

- ROSA COUTINHO.
Almirante António Alva Rosa 
Coutinho, um dos militares do Movimento das Forças 
Armadas que planeou e participou na revolução de 
Abril de 1974. Faleceu a 3 de Junho de 2010, aos 
84 anos. Integrou a Junta de Salvação Nacional, 
pertenceu ao Conselho de Revolução e liderou os 
serviços de extinção da PIDE-DGS e da Legião Portuguesa.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

1 360 - Obrigado, Cavaleiros do Norte da CCS do Quitexe


Neto, Viegas, Aurélio (Barbeiro) e Monteiro, 4 PELREC´s em Paredes (2012)
________________
JOSÉ A. MONTEIRO

Já era tempo de aqui poder escrever umas palavrinhas sobre o nosso encontro/convívio. Decorreu, como é sabido, no dia 2 de Junho de 2012 e contou a presença de cerca de 60 pessoas entre militares e familiares. É esta a família da CCS/ BCAV 8423.
Estes encontros nasceram da necessidade de convívio, a fim de se trocarem impressões e memórias da nossa vida militar, mais concretamente pela nossa passagem por terras do Norte de Angola.
A todos os que compareceram e os que, de uma maneira ou de outra, me comunicaram a sua indisponibilidade por não poderem estar, compreendendo cada situação a todos o meu muito obrigado. O meu empenhamento e a maneira como foram recebidos e tratados aqui em Paredes, julgo ter valido a pena.
Reviver camaradas que já não se cruzam há não sei quanto tempo, trocar impressões antigas e actuais, relembrar histórias e episódios militares e passar umas boas horas de confraternização e convívio, são alguns dos ingredientes que fazem sempre parte da ementa anual destes encontros. ISTO NÃO PODE ACABAR.
Para o próximo ano lá estaremos em S. Tirso
Um abraço do amigo,
Monteiro

quarta-feira, 25 de julho de 2012

1 359 - Carmona, Luanda e o adeus do alto-comissário

Junta Governativa de Angola. Da esquerda para a direita: capitão de mar e guerra Leonel Cardoso, brigadeiro Altino de Magalhães, almirante Rosa Coutinho, coronel piloto aviador Silva Cardoso (Alto Comissário de 2 de Janeiro a 2 de Agosto de 1975) e Major Emílio Silva (foto «A Vertingem da Descolonização», do general Gonçalves Ribeiro)


A 25 de Julho de 1975, «conseguiu realizar-se a desejada coluna a Salazar, em terceira tentativa», descreve o Livro da Unidade, dando conta que se fez «o seu regresso e do pessoal que tínhamos em Luanda», no dia seguinte.
Luanda - a Luanda para onde partiríamos a 3 de Agosto seguinte - fervilhava de incidentes e, a 15 de Julho, ficou controlada por forças do MPLA, depois de várias semanas de combates. Recuaram a FNLA e a UNITA.
A rádio, em onda média e ouvida em pequenos transistores a pilhas, leva-nos notícias de Lisboa: após cerca de dez horas de reunião, o Plenário da Assembleia do MFA cria o Directório composto pelo general Costa Gomes (Presidente da República), general Vasco Gonçalves (Primeiro-Ministro) e general Otelo Saraiva de Carvalho - este, comandante do COPCON, órgão que concentrava o poder político-militar. Esquentava o verão desse ano.
A luta não parava em Luanda. O então alto-comissário Silva Cardoso não se entendeu e preparou o seu adeus - que viria a acontecer a 2 de Agosto.
«Havia uma situação concreta, no terreno, bastante grave. A FNLA estava à entrada de Luanda e punha-se o problema de nós irmos ou não, ajudar o MPLA a travar a FNLA, ou deixar que ambos resolvessem a questão. No Palácio, reuni todos os comandos dos três Ramos, os elementos da Coordenadora, o Secretário Geral, etc., num total de 42 pessoas», descreveu ele, em entrevista.
Todos menos um (o major Abreu) aprovaram a neutralidade, mas,de Lisboa, foram ordens contrárias. Demitiu-se Silva Cardoso.
«Recebi uma mensagem do Presidente da República (...) dizendo para se actuar segundo a posição que o Major Abreu defendera. Isto é, o contrário do que tinha sido decidido, com a opinião unânime de todos os outros camaradas - devia apoiar o MPLA, no confronto com a FNLA!», disse Silva Cardoso, ma mesma entrevista.
Era para essa Luanda que íamos.

terça-feira, 24 de julho de 2012

1 358 - O Canhoto que emprestava botas de futebol

Serra Mendes e Teixeira, estofador (atrás), Gasolinas, Gaiteiro e Malheiro (no meio), Canhoto (à frente, com a arma) e Pereira (ao lado, separado), Cavaleiros do Norte no Quitexe



O que faz um grupo do parque-auto nesta foto da memória quitexana? Certamente, adivinho eu, faz pose para a morte das saudades que cresciam por lá, da gente de cá! Não sei, nem poderia saber, mas muitos olhares de prazer e de emoção se terão deixado cair nesta foto, quando chegou embrulhada em carta de avião, às berças natais de cada um destes garbosos Cavaleiros do Norte. Ela (a foto), era para a família, para as mulheres e para as namoradas, cada qual querendo, com a foto, certificar-lhes o estado de saúde e disposição, como se por lá não houvesse cheiro de guerra, nem o medo de ter de usar as armas, para defender a vida. 

O Canhoto é um deles e dele andava eu para me lembrar da cara, que deixei perder no tempo. Há 4 anos, lamentavelmente, «perdi-me» pela terra dele, mas dele nem me lembrei. E tão à mão estava ele, nas bombas de gasolina onde faz pela vida. 
O Canhoto está-me na alma, pelas botas do irmão que me emprestou para eu jogar a bola, no pelado campo de futebol do Quitexe - lá pelos idos Outubros a Dezembros de 1974. Foi um favoraço, pois não dispunha eu de tais chuteiras, para a futebolada que se preparava. E eu queria jogar.  
O Canhoto era (é) Alípio e «aliviou-me» o stress, quando mas pôs ao dispor, emprestadas pelo irmão José - que era atirador de cavalaria e jornadeava por Santa Isabel. Há dois anos, quando ao telefone lhe falei para o encontro de Águeda, não se dispensou ele de me lembrar a história das botas e cavaqueámos sobre ela. Há, nestas histórias de quem andou pela guerra colonial, estes pequenos pormaiores que encantam, que estimulam, que nos tornam mais saudosos daquele tempo em que fomos soldados de Portugal!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

1 357 - Estamos ainda em revolução! Julho de 1975!!!

Comando da Zona Militar Norte e do Sector do Uíge (1975)

A 23 de Julho de 1975, hoje se completam 37 anos, o edifício da (então já extinta) Zona Militar Norte (ZMN) - depois Comando do Sector do Uíge (CSU) - foi palco de duas importantes reuniões. Uma, com os comandos da FNLA; outra, com elementos do GG/RMA, para preparar a evacuação do batalhão.
Os dois impedimentos de saída dos MVL, dias antes - a 13 e 21 de Julho - estiveram no «plano de operações» (chamemos-lhe assim) do encontro com os dirigentes da FNLA, que desde há dias pretendiam as armas que o BC12 aquartelava e, em particular, as que tinham sido da PIDE/DGS. Tal exigência, criou grandes constrangimento entre o pessoal militar (os Cavaleiros do Norte) até porque, por esses dias (já de 15 de Julho), passou a ideia de que o comandante Almeida e Brito iria ceder a essa pressão - o que não viria a acontecer.
No terreno, nas ruas da cidade, mantinha-se o clima de tensão, avolumado pelos dois impedimentos de saída das colunas militares. A FNLA, armada e dona da guerra uíjana, tudo fazia para vingar as derrotas de Luanda, Salazar e outras localidades do chão angolano. Eram vulgares os insultos da comunidade civil à militar e tudo era motivo para um plenário, um comício de rua, uma arruaça. Multiplicavam-se os assaltos a casas e a civis europeus. As nuvens de insegurança matavam esperanças e levedavam medos. 
Lisboa não mandava notícias melhores: o PS abandonou o Governo e uma semana depois (a 17 de Julho) o PPD (actual PSD) fez o mesmo. Fervia o Verão Quente desse ano. O momento era extremamente confuso, numa altura em que não sabíamos, mas a revolução procurava-se a si mesma, ao fim de 15 meses - com manifestações de violência, incêndios nas ruas e mini-vanguardas políticas a quererem lavrar o seu caminho. Que queriam fazer caminho para o país.
«Estamos ainda em revolução, ou ainda agora a revolução começa...», escrevia-me, da Europa, o amigo Armor Pires Mota.  
Ver AQUI

domingo, 22 de julho de 2012

1 356 - A «indústria» dos caixotes que não chegaram ao destino

Gasolinas e Carpinteiro na parada do BC12, em Julho de 1975

Últimos dias de Carmona, em finais de Julho de 1975. Pose fotográfica do Gasolinas e do Carpinteiro, com a oficina-auto ao fundo. A duas semanas da anunciada partida para Luanda (4 de Agosto), medrava a nossa  ansiedade e arrumavam-se as nossas coisas nas malas.
A esse tempo, florescia no BC12 (e na cidade) a «indústria» dos caixotes - o que chamávamos aos contentores de madeira, com a cubicagem que era atribuída a cada militar para despachar o que entendessem  para Lisboa. Não foi o meu caso, que, para além da mala e um saco TAP que levei, apenas lhe acrescentei uma mala (dada pelo Pires de Bragança) onde arrumei a minha correspondência e apontamentos da jornada angolana.
Quem fazia muitos caixotes, uns atrás dos outros, era o Carpinteiro. Não para ele, mas principalmente para o capitão Oliveira (o comandante da CCS) e os 1º.s sargentos - que neles carregaram todo o tipo de coisas. Ao tempo, ficou famoso o envio de uma urna, cheia de acúcar, arroz, bebidas (wiskyes, principalmente), barcos pneumáticos, até moto-serras.
Era o tempo em que, definitivamente apreensiva com o desenrolar dos acontecimentos e já certos do que seria o futuro próximo, após a saída da tropa, a comunidade civil negociava a compra desses caixotes (contentores), oferecendo fundos e mundos. A mim, até um certificado de habilitações ofereceram. O que não aceitei. 
Milhares e milhares de caixotes, de toda a Angola, chegara a Lisboa - muitos deles por lá sendo roubados, outros desaparecidos, aqueloutros vandalizados. E muitos nunca terão chegado ao destino certo. Assim aconteceu ao do (alferes) Carlos Silva, da 3ª. CCAV. 8423. Mandar, mandou o caixote. Mas nunca mais o viu.
- CARPINTEIRO. Manuel Augusto da Silva Marques, 1º. cabo carpinteiro. 
Natural de Esmoriz (Ovar), onde faleceu a 1 de Novenbro de 2011, de morte súbita.
- GASOLINAS. João Fernando Carvalho Dias Monteiro, 1º. cabo de combustíveis 
e lubrificantes. Residente em Vila Nova de Gaia.

sábado, 21 de julho de 2012

1 355 - O Dia da Cavalaria e o MVL impedido de seguir para Luanda

Vista aérea do BC12, em Carmona, na estrada para o Songo

A 21 de Julho de 1975 celebrou-se em Carmona o Dia da Cavalaria, em Carmona, e, pela segunda vez, um MVL foi impedido de fazer viagem para Luanda. A primeira, fora a 13.
O brigadeiro Tomás Correia Leitão, comandante do Comando Territorial de Carmona, presidiu à efeméride, assinalada com "a maior singeleza». Celebrou-se missa na capela da unidade e com uma mensagem na Ordem de Serviço do Dia, dando enfâse ao Dia da Cavalaria, mas frisando que "na tradição, era uma data comemorada» em todas as unidades mas que «contudo, o momento presente não permite pensar em festas». E não era mesmo.
Nesse mesmo dia, e pela segunda vez, a coluna do MVL (de viaturas militares e civis) que se aprontava a fazer transporte de bens e equipamentos da Unidade para Luanda, foi impedida pela FNLA de fazer tal viagem - o que criou grandes constrangimentos na guarnição, que, legitimamente, invocava o uso da força para continuar. No que era «proibida« pelo COPLAD. 
A situação era tanto mais tensa quanto, no Negage e a 13 de Julho, a FNLA cercara o quartel e exigira armas e, em Carmona, num comício, a mesma FNLA e o ELNA tinham feito afirmações graves e desabonatórias da tropa portuguesa. A 15, exigiram armas em Carmona (das que estavam em espólio, ao cuidado do BCAV. 8423) .
A guarnição desde o dia 12 que estava de prevenção simples, o primeiro grau de gravidade de segurança. Aproximava-se o dia da retirada e a tensão era cada vez maior. A FNLA, dona e senhora da guerra no Uíge, ressacava nos Cavaleiros do Norte os desaires sofridos em Luanda, Salazar e Malange. 
- MVL. Movimento de Viaturas Ligeiras. Ou Movimento de Viaturas de Logística
- COPLAD. Comando Operacional de Luanda.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

1 354 - Encontro dos Cavaleiros do Norte de Aldeia Viçosa

Letras e Mourato, da 2ª. CCAV. 8423, no jardim em frente à 
messe de sargentos de Carmona, no Bairro Montanha Pinto, em Julho de 1975


O Mourato jornadeou por Angola como vagomestre da 2ª. CCAV. e conhece do ofício de organizar. Por alguma razão é um dos «mordomos» do Encontros dos Cavaleiros do Norte de Aldeia Viçosa, marcado para 29 de Setembro, em Vila Viçosa. O outro é o Ramalho, ambos alentejanos, pois então.
A 2ª. CCAV. desembarcou em Luanda a 4 de Junho de 1974, deslocando-se para o campo militar do Grafanil, onde «estagiou» até 10 de Junho - data da chegada a Aldeia Viçosa.
Aqui substituiu uma companhia do BCAÇ. 4211, que de lá saiu para a zona de Ambrizete.
O comandante era o capitão miliciano Cruz, com os alferes milicianos Machado (operações especiais), Periquito, carvalho e Capela (atiradores). Norte, era o 1º. sargento e por lá estiveram também os furriéis milicianos Letras (operações especiais), Cruz, Ferreira e Martins, Matos, Brejo e Melo, Ramalho, Costa, Gomes e Guedes (todos atiradores), Mourato (vagomestre), Rebelo (transmissões) e Chitas (armamento pesado). O quadro foi reforçado em Agosto de 1974, com os furriéis atiradores Jesuíno Pinto (Agosto de 1974) e Mário Soares (Novembro). Em Fevereiro de 1975, chegaria o alferes miliciano Meneses. Em Abril, o 2º. sargento enfermeiro Manuel Eira. Outro alferes miliciano chegou em Maio: Fernando Ramos, atirador de cavalaria.
A Companhia saiu de Aldeia Viçosa a Carmona a 11 de Março de 1975. A 10 de Setembro do mesmo ano, fez malas e voou de Luanda para Lisboa, com missão cumprida.
Os interessados em participar no encontro devem contactar os furriéis Mourato, em Vila Viçosa (telefone 964147973) e Ramalho, em Évora (966095508).
- MOURATO. Abel Maria Ribeiro Mourato, furriel miliciano 

vagomestre. Aposentado da administração fiscal, residente em Vila Viçosa.
- RAMALHO. Rafael António Pimenta Ramalho, furriel miliciano 
atirador de cavalaria. Distribuidor de bebidas, residente em Évora.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

1 353 - O que é feito do Alberto dos Santos Ferreira?

Alberto e Tomás, à porta do bar dos 
praças do Quitexe, nas vésperas do Natal de 1974


O Ferreira era atirador mas fixou-se quarteleiro do depósito de géneros, o que lhe valeu louvor em ordem de serviço, notabilizando-lhe o «muito acerto, honestidade e maior boa vontade» com desempenhou tal funções.
Atirador e do PELREC, foi «formado» para os tiros de G3 na especialidade do campo militar de Santa Margarida. Era bom praça, humilde, cumpridor, zeloso, sem nunca se dispensar de «marchar» em patrulhas, escoltas e operações, sempre que o PELREC para elas saía, deixando as baias da guarnição. Não falhou um serviço, um reforço ou que fosse, cumprindo, para além disso, as suas obrigações de quarteleiro. Se houve quem, entre nós, mereceu louvor, ele foi, seguramente.
Vem aqui hoje por uma razão de ausência; que será feito dele? 
Já descobri dois portugueses com o mesmo nome e do mesmo ano (1952), ambos moradores na zona de Viseu. Mas nenhum era ele. Alguém nos pode ajudar a achá-lo?
O Tomás, esse dele bem sabemos. Faz pela vida em Lousada e é habitual companheiros dos encontros. Falhou este ano, quase na porta dele (em Paredes) por uma razão bem ponderosa: uma delicada operação cirúrgica a que foi sujeita a sua (dele) «mais que tudo». Também ela habitual amazona dos encontros dos Cavaleiros do Norte. Foi operada precisamente a 2 de Junho deste ano, mas já se reestabelece em casa, aos cuidados e preocupações do Tomás. Pois que recupere totalmente!
E o Ferreira? Ó Alberto, o que é feito de ti?
- FERREIRA. Alberto dos Santos Ferreira, soldado atirador 
de cavalaria e quarteleiro do depósito de géneros da CCS. 
- Tomás. Rodolfo Hernâni Tavares Tomás, 1º. cabo 
rádio-montador, morador em Lousada.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

1 352 - Mortos em Luanda e em Quivuenga, bem perto do Quitexe

A viatura alvo da mina anti-carro, perto da Fazenda 
de Santa Leocádia, de que resultou um morto e 6 feridos

A partir de 17 de Julho de 1974, o BCAV. 8423 assumiu a responsabilidade operacional de Luísa Maria (fazenda onde durante meses estiveram grupos de combate da 2ª. CCAV., a de Aldeia Viçosa) e de Vista Alegre. No dia seguinte, foi a vez da 1ª. Companhia de Artilharia do Batalhão de Artilharia 6322, do COTI 2 - esta a operar na área dos «quartéis» de Camabatela e Quiculungo.
Os Cavaleiros do Norte tinham o Sub-Sector do Uíge como Zona de Acção (ZA) e tal movimentação militar, completou «o esforço operacional do Subsector, em procurar actuar sobre os refúgios», do IN. Fosse lá pelo que fosse, esta 1ª. CART «foi retirada ao Subsector a 28 de Julho» - apenas dez dias depois. O Livro da Unidade não explica porquê.
Luanda já então fervia de incidentes. A situação era tensa e tais «macas», a 15 de Julho, uma segunda-feira, resultaram em 12 mortos e 60 feridos. A 16 de Julho, o dia seguinte, registaram-se mais16 mortes e 63 feridos. A 19, hoje de completam 38 anos, mais três mortos e sabe-se lá quantos mais e mais feridos. Nem todos terão sido registados pelas autoridades, que gradualmente iam perdendo o controlo dos acontecimentos. Neste mesmo dia, o general Silvino Silvério Marques, governador-geral de Angola, foi chamado a Lisboa, devido à forte contestação das estruturas do MFA local e aos graves confrontos dos últimos dias.
Era acusado de estar implicado num golpe de Estado na colónia para a proclamação de uma «independência branca». Viria a ser exonerado, no dia 22 de Julho - dia em que, em Luanda, se realizou uma Assembleia Geral do MFA de Angola e o major Pedro Pezarat Correia acusou oficiosamente os capitães José Clementino Pais e Pedro Caçorino Dias e os alferes miliciano Alfredo Marques Aparício e Nuno Cardoso da Silva de organizarem células de sabotagem e contra-resistência.
A 20, mais dois mortos na capital angolana. Já a 23, a Junta de Salvação Nacional resolveu criar uma Junta Governativa de Angola, que viria a ser liderada pelo vice-almirante António Rosa Coutinho, acumulando o cargo com o de Comandante-Chefe das Forças Armadas. No terreno e bem perto de nós, nesse mesmo dia 23 e em Quivuenga-Senguele, o Exército Português sofreu um morto (da incorporação local) e 6 feridos, em ataques da FNLA, em resultado de uma mina anti-carro, perto da fazenda de Santa Leocádia. Eram do BCAÇ. 5015.
Como se vê, não ia fácil a vida da tropa portuguesa por terras de Angola. Em Carmona, a cidade mais próxima e capital do Uíge, a situação levou à mobilização de um grupo de combate da 2ª. CCAV., a de Aldeia Viçosa, para patrulhamentos na área suburbana da cidade.
Vida fácil? Ai, ai, vida fácil!!!...

terça-feira, 17 de julho de 2012

1 351 - O exército angolano que, afinal, não chegou a ser...

A foto foi enviada pelo Tomás e é das raras que o blogue tem para mostrar aquele que era para ser o Exército de Angola e estes militares eram a 1ª. Companhia da Forças Militares Mistas (1ª. FMM), formada por elementos da FNLA e da UNITA. O MPLA tinha sido «corrido» de Carmona, nos incidentes dos primeiros dias de Junho.
A foto vem aqui, hoje, por hoje se fazerem 37 anos depois da cerimónia de entrega de galões e divisas aos seus graduados. «Irão ser os pilares do Exército Angolano», refere o Livro da Unidade.
Os militares da 1ª. FMM receberam instrução das NT, cada especialidade na sua área - cabendo ao alferes Garcia a instrução de tiro, monitorada por mim (Viegas) e pelo Neto, ambos furriéis do PELREC. Na carreira do BC12, aconteceram cenas meio patéticas, resultantes da inabilidade dos «recrutas». Casos houve, em que, em sessões de 100 tiros (20, cada militar), as linhas de fogo não acertavam um tiro no alvo, a 60, a 70 ou 80 metros. Demorou tempo a perceber o porquê e tal só foi descoberto quando verificámos que, no momento do disparo, os nossos homens não faziam o ponto de mira - assim atirando praticamente às cegas.
Não lhe faltava vontade, é justo dizer, e até se lhes medrava o garbo quando, por exemplo, imitavam o «marchar à Ranger´s», que, tanto o Neto como eu, tanto gostávamos de exibir, na ordem unida. Ou a palada, vibrante, com que fazíamos continência.
A 17 de Julho de 1975, na cerimónia de entrega dos galões e divisas, foi «aproveitada a ocasião para explorar os deveres militares e as responsabilidades» dos chefes militares, em «acção orientadora» destes oficiais e sargentos que «embora desejando fazer algo por Angola, se sentem submergir e deixar de ver a aceitação e a autoridade que se pretendeu imprimir-lhes».
O Exército Angolano, na forma que então se ensaiava, nunca chegou a ser formado.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

1 350 - Uma das noites em que fomos provocados por civis..

O BC12, cercado a negro, e o bloco residencial militar, a amarelo (em cima). 
Mosteias e Viegas e, sentados, Bento, Cruz e Pires de Bragança (em baixo). 
Em primeiro plano, vê-se a estrada de Carmona para o Songo e que passava em frente ao BC12
Clicar nas imagens, para as ampliar



A meados de Julho de 1975, abandonámos a messe do bairro Montanha Pinto e fomos instalar-nos no bloco residencial militar que ficava a uma centena da metros do BC12, à esquerda, antes de chegarmos ao quartel, indo de Carmona para o Songo.
Faziam-se dias de véspera da saída para Luanda e este passo era um mais, nessa rota ambicionada.
As patrulhas, as escoltas, os serviços, tudo continuava - acumulando eu (e quero lembrar-me que) também o Guedes (da 2ª. CCAV.) e o Carvalho (3º. CCAV.) o serviço de Polícia de Unidade, criada no espírito da Polícia Militar (lá inexistente) e por em Março, à nossa chegada a Carmona, ter sido considerada necessário. Chegados à cidade, no dia 2, logo foi oportuna «a promulgação de novas NEP, ou alteração das mesmas», sobretudo aprudentando «a resolução das muitas quezílias entre a população civil e as NT, devido à animosidade que aquela tem a esta». E citei o LU.
Uma noite, daquelas noites d´Angola, fartas de calor e passadas nas imensas esplanadas da cidade, estávamos vários militares a matar a sede quando começaram a «chover» insultos, de gente nova, atrevida, azougada e mal-educada. Seríamos nós, na boca deles, uns garotos, uns traidores, uns cobardes, uns filhos desta e daquela. Fomos ouvindo, remoendo e enchendo o saco, procurando não reagir às provocações. Assim éramos instruídos.
Até que não deu para mais.
O Mosteias, grandalhão e forte como é (olhem a foto: está sentado e é da minha altura e eu tenho 1,80!), levantou-se decidido, firme, sem nada temer, olhou o grupo provocador e siderou o espaço e as almas daquela gente que nos invectivava. Estariam ali, a desfrutar a noite, perto de uma centena de pessoas.
«Saiam, avancem, um por um...», gritou ele, com o sangue a subir-lhe nas veias e a engrossar-lhe o pescoço, de rosto avermelhado e punhos fechados. E não estava para brincadeiras. Era o estavas...
Eu, o Pires, o Rocha (e quem mais?) pusemo-nos em guarda. Levantados, de mãos caídas mas prontas a tudo. Estávamos para que desse e viesse! Viveram-se momentos tensos.
Felizmente, os jovens civis (e os mais maduros, que os incentivavam e protegiam) tiveram o bom-senso de se calarem. Mas esteve para o torto, a coisa! E o Mosteias a protestar, a gritar, a apontar de dedo em riste e a acusar quem nos maltratava. Viessem todos, «um a um!...».

- BC12. Batalhão de Caçadores 12, onde, em Carmona, 
se aquartelaram os Cavaleiros do Norte.
- NEP. Normas de Execução Permanente.
- PM. Polícia Militar.
- LU. Livro da Unidade.

domingo, 15 de julho de 2012

1 349 - A primeira ida a Santa Isabel...

Fazenda e aquartelamento de Santa Isabel, onde esteve a 3ª. CCAV. 8423


O dia 15 de Julho terá sido o da primeira ida do PELREC a Santa Isabel, onde jornadeava a 3ª. CCV. 8423, sob comando do capitão miliciano Fernandes. Saía-se do Quitexe, na estrada asfaltada para Aldeia Viçosa (e Luanda, a estrada do café) e, por altura do Dambi Angola, cortava-se à direita para Santa Isabel, já em picada que nos pregava sustos. 
Tenha sido neste dia, ou não, para o caso pouco importa:  íamos avisados de que poderia haver problemas. E porquê? O alferes Garcia explicou aos homens formados na parada do Quitexe: «Vamos escoltar o comandante!...». E escoltar o comandante era fazer segurança à nossa maior riqueza: quem nos orientava, nos dirigia e era o nosso líder, nosso «pai» militar, o alvo mais fácil e desejado do IN. 
Almeida e Brito, o tenente coronel que nos comandava, tinha passado pelo Quitexe anos anos, como oficial de operações, e deixara fama de homem de poucas cedências. Era o «cavalo branco», assim o baptizou a lenda local, por ser de cavalaria e, já de apoucado cabelo, o ter branco, assim como a pêra e o bigode.
Lá fomos nós, de olhos abertos e unigog´s cheios, a galgar a picada, engolindo pó e sentindo no corpo os frios de quem sabe que evolui em zona de perigo. Íamos com a curiosidade de conhecer as instalações dos companheiros da mata, assim pensávamos nós que era Santa Isabel. Que seriam um sítio no meio da floresta densa e perigosa, infestada de feras e uivos amedrontadores. Mas não era nada disso, como mostra a foto: as instalações eram muito boas e lá achámos os nossos amigos no bar A Cubata, que servia de pouso aos furriéis.
O comandante Almeida e Brito ia visitar a guarnição, em contactos operacionais. Tal qual tinha estado já em Aldeia Viçosa (2ª. CCAV.) e no Destacamento da Fazenda Negrão (a 7 de Julho). Íamos nós na quinta para sexta semana do Quitexe.

sábado, 14 de julho de 2012

1 348 - O (furriel) Farinhas morreu há 7 anos!

Farinhas Neto e Viegas, no Quitexe(1974), 
com o Agostinho Papelino a engraxar os sapatos deste

O Farinhas faleceu há precisamente 7 anos, em Amarante, a sua terra natal, vítima de doença cancerosa.
Chegou a Santa Margarida, por Janeiro/Fevereiro de 1974, com o Mosteias e o Pires, do Montijo, como 1º.s cabos milicianos do pelotão de sapadores, comandado pelo (futuro) alferes Ribeiro. Por lá fizemos (todos) a formação do batalhão e de lá partimos para Angola.
O Farinhas não era homem de muitas falas, era até algo circunspecto, sorumbático, mas de ideias firmes sobre os seus princípios e seguramente um excelente camarada. Um problema disciplinar afastou-o do nosso convívio em Março de 1975. 

Não recordo qual problema foi, mas tenho dele a imagem do companheiro introspecto e melancólico, que de nós escondeu segredos que não nos ajudaram a ajudá-lo, quando terá precisado.
Ao tempo dos últimos tempo do Quitexe, dele recordo uma noite algo constrangida para ambos, estava eu de sargento de dia, matando horas pela madrugada fora. O Farinhas falou da vida dele, muito nervoso e revoltado, fumando, fumando, fumando... e parecia não querer sair de si e do seu constrangimento, fechando os ouvidos ao que lhe dizia, querendo ajudar.
A última vez que falei com ele, ao telefone, foi em 1996, creio eu..., para que participasse no encontro do batalhão. Trabalhava nos Serviços Florestais e, salvo erro, tinha então recentemente voltado dos Estados Unidos. Não participou no encontro. Não quis, dizendo-me que a tropa não lhe dizia nada. «Desculpa lá, ó Viegas..., desculpa, pá... és um gajo porreiro!!!...».
Eu desculpei. Obviamente!

Morreu a 14 de Julho de 2005, hoje se passam 7 anos.
Até um dia, caro Farinhas!
- FARINHAS. Joaquim Augusto Loio Farinhas,
furriel miliciano sapador, natural de Amarante.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

1 347 - Três 1ºs. cabos escriturários à mesa de restaurante

Miguel, Pires e Jorge (já falecido), três escriturários 
da CCS dos Cavaleiros do Norte, o BCAV. 8423, no Quitexe (1974)

Três escriturários a darem ao dedo no... Topete! Será no Topete, o restaurante ao fundo da rua/avenida de baixo do Quitexe? Será? É?! Assim parece. Na secretaria, não é. E o bife com ovo a cavalo não tem nada  a ver com as papeladas do 1º. sargento Luzia.
A foto, sem data, mostra a «boa vai ela» como se passaram muitos momentos da jornada africana dos Cavaleiros do Norte. Ai não sabia bem a ementa do refeitório? Pois há que ir ali ao lado, ao lado de fora do aquartelamento, e dar meia dúzia de passos, passar à frente da casa do Guedes e pedir umas Cucas enquanto o bife ia à frigideira e se fritavam as batatas. Ou ao Rocha, ao Pacheco, lembro-me destes.
Disse Cucas, mas reparo que são Nocais, outra boa cerveja angolana, que tantas sedes nos matou pelo jornadear do Quitexe, de Carmona, de :Luanda - ou por Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Luísa Maria, Songo e todos os sítios por onde «viveram« os Cavaleiros do Norte. Já não falando da também muito tropical, mas muito mais cosmopolita Luanda de tantas noites de borga, à cata de momentos de cio, tão à moda e desejo da idade!
A foto, no Quitexe, mostra momentos descontraídos de alguns de nós - como todos nós folgávamos das situações menos doces da guarnição. Que os houve, e muitos, nos 15 meses da jornada de Angola, que nos fez actores do país novo que nascia.
- MIGUEL. Miguel Soares Teixeira, 1º. cabo 
escriturário. Residente na Senhora da Hora, aposentado.
- PIRES. João Manuel Martins Pires, 1º. cabo 
escriturário, de Lisboa.
- JORGE. Jorge Manuel de Sousa Pinho, 1º. cabo 
escriturário, do Porto. Faleceu a 10 de Abril de 
2003, aos 51 anos e vítima de doença.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

1 346 - Os tensos dias que se faziam vésperas da saída de Carmona

Hotel Apolo, o edifício ao fundo, na Rua do 
Comércio da cidade de Carmona (Uíge) da Angola de 1975

A decisão de os Cavaleiros do Norte saírem de Carmona, rumo a Luanda, marcada para 3 de Agosto de 1975, foi naturalmente recebida com hossanas e muitas aleluias, pela comunidade militar. Não tanto pela civil e nomeadamente pela europeia.
Mas era inevitável: «Havia que encontrar uma opção para os dias futuros. Ficar em Carmona, com total descrédito das NT e perigosamente alvo das queixas e ataques da FNLA, nomeadamente reivindicando os desequilíbrios doutros locais, ou sair, antecipando um regresso a Luanda, num salvar de face e tentando evitar males futuros», lê-se no Livro da Unidade.
A decisão foi sair - o que, de resto, era inevitável, mais dia menos dia, nos termos do processo de independência (descolonização) então em curso.
A verdade é se repetiam incidentes entre as NT e os FNLA´s, os senhores locais da guerra entre irmãos angolanos. E com os civis, mais os europeus que os africanos. Aqueles, rapidamente perceberam que iriam perder o forro das costas - que era esse o papel das tropas: salvar vidas, evitar a destruição de bens e delapidação de património, garantir a segurança dos serviços nucleares da cidade (o hospital, as comunicações, o abastecimento de água e a energia eléctrica, os itinerários e as escolas, por exemplo) e pacificar o que era (im)possível.
A Rua do Comércio, que se vê na foto, foi palco de muitos desses incidentes e AQUI é narrado um deles. Mas muitos se anteciparam e somaram a este.
A 12 de Julho de 1975, hoje se passam 37 anos, iniciou-se um período (até ao dia 18) em que «em permanente situação de prevenção simples» na guarnição militar portuguesa, «houve que aguentar a provável ressaca da FNLA, face aos seus desaires (militares) em Luanda, Salazar e Malange».
Não foram fáceis os nossos dias de vésperas de sair de Carmona. Foram até muitos tensos e dramáticos.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

1 345 - O furriel das FAP com apelido (Neto) de líder do MPLA

Tenente Mora e furriéis Neto e Viegas 
na avenida (rua de baixo) do Quitexe, em 1974

Ontem, foi dia de eu e o Neto darmos ao dente e à palavra, e à saudade!!!...,  com o Quitexe na ementa e um mar de histórias na sobremesa. Veio à baila, o impagável tenente Mora, de quem podíamos contar mil e uma histórias, mas que deixaremos para outro tempo. Recordou o Neto uma ida dele à sanzala do Canzenza, a convite do Bernardo, que era chefe de GE´s e homem de fartas farras.
O Neto lá foi e, entre cerveja refrescada no frigorífico a petróleo, umas marufadas das boas e moambada de galinha, por lá se entreve, pela noite dentro mas sempre de olho desconfiado num grupo de homens, que por ali andavam no adro da sanzala e por nada, e nunca, se aproximavam da quitanga do Bernardo.
A noite foi crescendo, mais acalorada pelos vapores do marufo e as garfadas da moamba carregada de piri-piri, enquanto, por ali, se saracoteavam jovens meio desnudas, bombaleando o corpo em ritmos sensuais e  despreconceituados.
Chegou o tempo do «vou embora que são horas» e despediu-se o Neto, curioso, todavia, por saber quem eram aqueles homens negros e de olhar desconfiado. «Quem são aqueles?!...», perguntou ele ao Bernardo. 
«Eh, não sabes esfurrié...., são esturras, pá!...», disse-lhe o Bernardo, rasgando sorriso farto, nos lábios grossos que lhe desenhavam a boca.
O Neto fixou-os melhor e voltou a ouvir o Bernardo: «Tavam a ver se és gajo porêro, pá!!!...». E voltou a rir-se, como quem dizia para estar o Neto descansado.
Sabíamos nós que era vulgar os «turras» dormirem nas sanzalas, nas cubatas da família, e até de frequentarem cafés, bares e restaurantes do Quitexe. Saber, sabíamos..., ou meramente desconfiávamos, mas ali era estar em frente a eles. A diferença principal, porém, era o... apelido do furriel, que era (e é) Neto, como o líder (Agostinho) do MPLA. E nós estávamos em terra da FNLA, onde falar de Neto não era a coisa mais saudável e pacífica.
O Neto, furriel das FAP, lá veio embora, sem problemas, mas a pensar como um simples apelido pode atrapalhar quem o tem, em terra de guerra e onde rivalidades eram muitas vezes medidas a tiro.
- FAP. Forças Armadas Portuguesas.
- GE. Grupos Especiais. Força para-militar, formada por voluntários civis, ao serviço das FAP.
- BERNARDO. Chefe de um dos Grupos de GE do 
Quitexe, dependentes do BCAV. 8423. 
- TURRAS. Forma abreviada de terroristas, como 
eram apelidados os homens armados dos movimentos de libertação.

terça-feira, 10 de julho de 2012

1 344 - A 10 de Julho de 1974 e a recordar 1961

Mulher angolana com um filho nas costas (em cima) 
e mapa da zona do Quitexe, de João Garcia (em baixo, clicar na imagem)



A 10 de Julho de 1974, o comandante Almeida e Brito reuniu com os povos do Quitoque e do Quimassabi, mesmo à saída do Quitexe, na estrada para Carmona.
Terá sido numa destas aldeias (a memória já não lembra tudo) que pela primeira vez vimos mulheres negras de peitos nus, o que nos encheu os olhos e a alma de desejos. Éramos rapazes novos, insaciados e muito enciados. O que para aquela gente era muito natural, era para nós cousa bem diferente. Adiante. 

A reunião era uma das muitas que então se faziam, com os povos indígenas, comerciantes e fazendeiros, autoridades tradicionais e população, no geral, mentalizando-as para os novos tempos, os nascidos da revolução que se fizera em Lisboa. 
Já com mais de um mês do Quitexe e algumas operações, patrulhamentos e escoltas no nosso diário de guerra, a terra angolana ainda era para nós um mistério e todos os dias uma surpresa. E também um medo, que sobrevoava nas memórias, recordando a terra vermelha e ensaguentada pelos massacres de 1961, que nós tão bem víramos em imagens de homens esquartejados, serrados e incendiados, mulheres e crianças violadas, bens destruídos e sabe-se lá o que mais, emergido a (e depois de) 15 de Março. E era nessas terras que estávamos, armados, em missão deferente, de paz!, mas sujeitos aos perigos de uma guerra subversiva e de inimigo que não mostrava a cara.
Cito José Freire Antunes, sobre os incidentes de Março de 1961, de 15 a 18, e no seu livro «A guerra de África - 1961 - 1974»: «O Norte de Angola é avassalado por uma onda de brutalidade tribal, assassínios em massa, incêndios, destruição e rapina de haveres, violações de mulheres e crianças. Os tumultos espalham-se às plantações de café isoladas, aos postos de abastecimento e às vias de transporte».
Era nessa terra, mas 13 anos depois, que os Cavaleiros do Norte faziam o se «debute» de guerra. Há precisamente 38 anos!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

1 343 - Jovens Cavaleiros do Norte na noite de Luanda

Estrela, Medeiros (já falecido), Miguel, Damião e 
Vasco, 5 Cavaleiros do Norte há 38 anos, em Luanda!

O que fariam 5 jovens Cavaleiros do Norte, na noite de 2 de Junho de 1974, em Luanda? Gozavam a vida, certamente, em vésperas da partida para o Quitexe desconhecido e que já sabiam ser a vila-mártir de 1961!!! Olhem a sorte!!! A deles e a nossa, a de todos os outros Cavaleiros do Norte!
Os mancebos eram todos 1º. cabos e de boas especialidades, das que não batiam com o cabedal no mato. Gente boa, como se veria por toda a comissão. Operadores criptos, eram o Estrela e o Medeiros -  ali os dois do lado esquerdo. Escriturários, o Miguel, o Damião e o Vasco, us outros três.
O Miguel, registando o momento e em carta para a família, dá conta que os bem dispostos mancebos estão «num restaurante a comer búzios, arroz de marisco e camarão e a beber umas cervejas da ordem». Assim mesmo, sem tirar nem pôr. Acrescenta o Miguel que tal comezaina decorria «às 3 horas da manhã, no inverno e com um calor medonho». Inverno d´Angola, bem entendido!
A rapaziada tinha chegado a Luanda no dia 30 de Maio e «acampado« no Grafanil, onde fazíamos vésperas de partir para o desconhecido Quitexe, lá do norte de Angola. E, então, melhor vida não podia deixar de ser este forrobodó gastronómico, bem disposto, descontraído e até irreverente. Ou não fossem jovens de 21 para 22 anos, com a alegria e espontaneidade de quem tem toda a vida pela frente e a sonha venturosa.
- ESTRELA. João Francisco Lavadinho Estrela, 1º. cabo operador-cripto. Trabalha na Amadora, no ramo imobiliário.  
- MEDEIROS. António Carlos Fernandes de Medeiros, 1º. cabo operador-cripto. Já falecido, a 10 de Abril de 2003, vítima de doença.
- MIGUEL. Miguel Soares Teixeira, 1º. cabo escriturário. Aposentado e residente na Senhora da Hora, trabalhou na Siderurgia e na Ambar.
- DAMIÃO. Damião Augusto das Neves Viana, 1º. cabo escriturário. É de Gondomar.
- VASCO. Vasco de Araújo de Sousa Vieira, 1º. cabo escriturário. Comercial na área dos acessórios de automóvel, no Porto. 

domingo, 8 de julho de 2012

1 342 - Cavaleiros do Norte abandonam definitivamente o Quitexe

Capitão miliciano Fernandes (1º. plano) e 1º. sargento
 Marchã, 
chefe da secretaria da 1ª. CCAV. 8423, a de Santa Isabel (1974/75)


A saída da 3ª. CCAV. 8423 do Quitexe concluiu-se a 8 de Julho de 1975, hoje se completam 37 anos. Ali tinha chegado a 10 de Dezembro de 1974, vindos da fazenda Santa Isabel - onde se tinha instalado a 11 de Junho do mesmo ano. Foram a última guarnição militar portuguesa nestes dois pontos do Uíge angolano.
A saída da CCS (a 2 de Março de 1975) coincidiu com graves problemas entre os elementos da FNLA e do MPLA, depois também da UNITA, e a guarnição comandada pelo capitão José Paulo Fernandes por lá passou momentos menos agradáveis, servindo de mediador entre os movimentos - que mais facilmente davam ao gatilho que à palavra. Mais rapidamente disparavam que discutiam ideias, disputando palmo a palmo a sua eventual superioridade militar.
A acção do capitão Fernandes viria a ser sublinhada no louvor final de campanha, publicado na Ordem de Serviço nº. 174, dando conta do período da «eclosão dos graves acontecimentos de confronto armado entre os movimentos de libertação, na área do Quitexe».
A esse tempo, «o desequilíbrio» de forças era notório, mas os bravos cavaleiros de Santa Isabel, sob comando do capitão miliciano José Paulo Fernandes, «garantiram o cabal cumprimento da missão» que lhe estava atribuída. Até 8 de Julho de 1975, quando disseram adeus definitivo ao Quitexe.

- «O Quitexe a ferro e fogo»,
ver AQUI e AQUI

sábado, 7 de julho de 2012

1 341 - Uma aparelhagem de som e duros combates em Luanda

Fátima e José Bernardino Resende (com as filhas), Albano
 Resende, furriel Viegas (à civil) e capitão Domingues (primo e Fátima) em Luanda (1975)


O Julho de 1975 não foi nada fácil por Carmona (como por aqui tem sido lembrado), mas muito mais dramático foi por Luanda - onde, durante semanas, se travaram intensos combates entre os três movimentos. Falava-se, avulsamente, da chegada de milhares de cubanos, para apoiar o MPLA e a cidade esvaziava-se.
É dos primeiros dias do mês um desenfianço meu a Luanda, onde queria entregar a Fátima Resende a aparelhagem de som, que ainda hoje adorna a minha sala de estar, sem, já funcionar. Ela vinha a Portugal e dispunha-se a ser portadora da «encomenda». Tinha de a lá ir levar e, por via terrestre, era (quase) impossível, devido às barricadas da estrada do café, principalmente no Caxito (onde se sabia haver garvíssimos combates) e no Cacuaco. Ora não deixava passar a FNLA, porque íamos para uma zona do MPLA; ora este, porque íamos de zona da FNLA. A solução foi arranjar boleia aérea e assim foi. Já em Luanda, não seria fácil sair do aeroporto, mas enganei-me. Os graves incidentes da capital tornavam o tráfego inseguro e perigoso e a minha habitual boleia local, não pôde ir. E os taxistas, cadé? Não arriscavam atravessar a zona do Prenda, até à Maianga, de onde facilmente se chegava à baixa.
A ponte aérea assoberbava o aeroporto, onde milhares de pessoas esperavam viagem para Lisboa, havia menos gente nas ruas e até as casas nocturnas se esvaziavam. Haviam medos na gravidez das noites luandinas, restaurantes a fechar por falta de alimentos, prateleiras vazias nas lojas - antes cheias de tudo. A inflação estava cada vez mais incontrolável e «vendiam» escudos europeus a 100, 500, 1000%. mos mercados (negros, ilegais e avulsos) das ruas de Luanda.
Lá cheguei a casa dos Resendes, perto da praça de touros - onde se dizia que, todos os dias, se assassinavam dezenas, centenas ou milhares de pessoas. A aparelhagem lá veio para Portugal, embalando algumas garrafas de wiskyie.
Depois de várias semanas de combates, Luanda ficou controlada por forças do MPLA, a 15 de Julho de 1975. Já eu estava em Carmona, em patrulhas, escoltas, serviços e instrução de tiro aos militares que formariam o futuro exército angolano. Exército que nunca chegou a ser.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

1 340 - O transporte de valores do Banco de Portugal

Delegação do Banco de Portugal em Carmona (foto de Jorge Oliveira)


Os dias de Julho foram quentes, por Carmona. E não só pelo calor africano que nos abria os poros de suor e escaldava os quicos da cabeça e a pele descoberta dos camuflados. Era crescente a instabilidade e repetidas e perigosas as escaramuças. 
A FNLA, senhora da guerra da zona, «vencedora» dos incidentes dos primeiros 6 dias de Junho, fazia questão de conflituar a paz que se desejava. A tropa portuguesa, e cito do Livro da Unidade, era «perigosamente alvo das queixas e dos ataques da FNLA».
Os patrulhamentos urbanos, eram uma inquietação. Eram um perigo latente, a cada vez que saíamos do BC12, e, por horas da noite adentro - noites cheias de sombras e de alguns medos! -, acautelávamos a segurança das populações, até que a madrugada nascesse. 
A comunidade civil, apupava-nos, vaiava o nosso esforço e até a nossa dignidade. Criticava, principalmente a população branca. Cuspia, quando passávamos!
A um qualquer dia que a memória não retém (nem dele tenho apontamentos) fomos chamados para uma escolta muito especial: o transporte de valores da delegação uígense do Banco de Portugal. E não foi só o PELREC. Outros grupos de combate foram chamados e posicionados ao longo do percurso, até ao aeroporto. Aprudentou-se segurança e mais segurança, para se evitar um assalto. Dizia-se, à boca fechada, que os malões levavam milhões de contos - em dinheiro, ouro, diamantes, peças raras, objectos e documentos! Não sei, nunca saberemos.  
A carrinha blindada chegou, de não sei onde! O carregamento foi rápido e rápida foi a saída em direcção ao aeroporto. Aqui, entrou na pista e gente que nunca víramos carregou os malões para um avião, que voou para Luanda. Porventura, nunca nós, Cavaleiros do Norte, estivemos tão próximos de tão grande fortuna!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

1 339 - O país que ia mudando e se fazia novo...

Sanza Pombo, aquartelamento do BCAV. 8324

O que teve de extraordinário o dia 5 de Julho de 1974, na guarnição quitexana dos Cavaleiros do Norte? Nada de especial, a não ser uma decepção pessoal - que teve a ver com a ida do comandante a Sanza Pombo, a uma reunião dos Comandos do Comando de Sector do Uíge, e que se ia realizar no quartel do Batalhão de Cavalaria 8324 (não o 8423, o nosso).Sanza Pombo era um destino que eu procurava, por lá viver um conterrâneo, Adolfo Pires dos Reis - funcionário do Ministério da Agricultura, irmão de minha vizinha Celeste. Conhecia-o das férias dele e família e lá queria ir visitá-los. Fiquei danado, quando soube que a escolta ao comandante Almeida e Brito e capitão Falcão (o oficial adjunto) seria feita por outra gente, suponho que por um grupo de sapadores.
Dito isto, chegavam notícias de Portugal:
1 - Um decreto-lei de 1 de Julho (1974) garantia a remuneração horária mínima de 17$50 aos funcionários públicos.
2 - Estes, passava, a ter direito a receber abono de família.

3 - Os professores passavam a ganhar os meses de Agosto e Setembro.
4 - Era criado o Movimento Popular Português (MPP).
5 - O Partido Liberal considerava que «urge relançar a economia nacional».
6 - O 1º. Ministro Palma Carlos congelou preços e salários por mais 10 dias - DL 217/74.
7 - Caçadores pediam a revisão da lei da caça.
8 - Aerograma de casa dava-me conta que, no dia 23 de Junho, se tinha realizado a comunhão solene, que, escrevia minha mãe, «perdeu o seu tradicionalismo», embora tal não explicasse.
Revisto isto, à distância de 38 anos, até parece risível. Mas era um país que mudava, connosco (Cavaleiros do Norte e muitos outros portugueses) a milhares de quilómetros do chão natal.
- SANZA POMBO, AQUI