CAVALEIROS DO NORTE!! Batalhão de Cavalaria 8423, última guarnição militar portuguesa nas terras uíjanas de Quitexe, Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Ponte do Dange, Songo e Carmona! Em Angola, anos de 1974 e 1975!

domingo, 24 de março de 2013

1 616 - Memórias poéticas do Quitexe


A casa dos Garcias, no Quitexe. A secretaria da CCS do BCAV. 8423 era o edifício à esquerda. Na foro de baixo, o mesmo edifício, em fase recente, vendo-se ainda o da secretaria. Em baixo, Alfredo Garcia, quitexano de coração e autor dos dois poemas





O 15 de Março de 1961 foi marcante na vida do Quitexe que nós conhecemos 13 anos depois. 
Alfredo Baeta Garcia, quitexense por devoção, e por lá foi nosso contemporâneo,  faleceu a13 de Setembro de 2012, com a bonita idade de 90 anos, e deixou memórias em poesia.
 


À memória do ignorado capataz 

de tonga que sofreu e morreu a 

defender nem ele sabia o quê

Os olhos estão baços e abertos
E os restos do corpo descobertos,
Lacerados na beira da picada
Sem ninguém a gemer loas amigas.
Começa o banquete das formigas
No sangue que correu da catanada
Fica ali algum tempo esquecido
Quando o encontram, parte já comido.
Ninguém sabe ao certo onde nasceu
E se ainda lá tem mãe ou não
Que lhe reze à noite uma oração
Sem o saber, que ele já morreu.
O que o levou ali foi o destino
Que já trazia em si desde menino,
Nem pátria, nem dever, nem devoção,
Tão pouco o que houvera de ser seu.
Mesmo a vida que um dia Deus lhe deu
Foi p’ra cumprir a humana solidão.
Apanhou toda a chuva e mais o sol
Sem nunca ter o nome em qualquer rol,
Não foi soldado nem marcava o ponto,
Não tem cruz nem sequer campa rasa,
Beija-o o sol c’o seu calor de brasa
E os mais que não estavam lá por conto.
Podia até ter sido uma ambição
O que o levasse àquela condição
E se foi diluindo na descrença
Até ficar apenas a saudade
A durar o que fosse a sua idade
Com morte acidental ou de doença.
Morrer desta maneira, à catanada
Não são coisas da vida, não é nada,
É ser peão num jogo com batota
Em que uns fazem de heróis da festa
De que afinal de contas nada resta
Nem a história deles toma nota.
Não há cruzes na beira dos caminhos
Nem memórias nos vivos dos mesquinhos
Anónimos sem fama e sem lamento
Que deram o que tinham, mas por nada
Como maldita sorte, desgraçada,
Mais o antecipado esquecimento.
Estar entre a vida austera e as misérias
Sem sábados, domingos e sem férias,
É ter vida pior que contratado,
O primeiro na forma em fila longa
O último à noite a vir da tonga
Em chuva e suor agasalhado.
Nas noites tropicais daquelas matas,
No meio do capim onde há cubatas,
Nos caminhos direitos e nos tortos,
A natureza inteira, insubmissa
Reza eternamente a sua missa
Por todos quantos lá ficaram mortos 



À memória dos que pereceram 

na picada e na pide

      Conjuntura
Sem soba ninguém decide,
Desapareceu, foi na Pide.
Sem branco não anda nada,
O seu fim foi na picada.
Segura bem a Gê Três,
Olha o capim mais a estrada
P’ra não ser a tua vez
E o teu fim ser na picada.
Não se vê, não está presente
O que era o nosso Cid?
Por se fazer saliente,
Desapareceu, foi na Pide.
No muxito apura a vista,
Que em qualquer curva apertada
Pode estar um terrorista
E o teu fim ser na picada.
Mãe preta de todos nós
E razão da nossa lide,
Não se ouve a sua voz.
Desapareceu, foi na Pide.
Já a salvo no terreiro,
Ouves ainda a rajada.
Lá se foi um companheiro,
O seu fim foi na picada
O Bom Deus do nosso povo
Que era filho de David,
Pregado na cruz de novo,
Desapareceu, foi na Pide.
Igual a sorte marcada
Aos dois ligados pl’envide,
Foi ter fim na picada
Ou desaparecer na Pide.
Alfredo Baeta Garcia



- NOTA: Gentileza de João Garcia, 
sobrinho do autor

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