Bar no Campo Militar do Grafanil (foto de Jorge Oliveira)
Os
últimos dias de Agosto de 1975, em Luanda, foram vividos em grande frenesim, entre a balbúrdia dos
cada vez mais dramáticos e repetentes incidentes urbanos e a euforia
entusiasmante de quem, como os Cavaleiros do Norte, se via já no seu adro natal.
Havia, porém, sempre casos particulares. O do Neves, por exemplo, soldado do PELREC, que andava triste e amuado. E porquê? Porque, como dele viemos a saber, tinha um familiar (ou um amigo?, não recordo) em Luanda, que ele queria visitar
desde que chegara a Angola. Mas não tinha meios. Tinha a direcção, porém, num
papel já desmaiado dos suores de 15 meses de Angola e que já mal se
lia. Mas lia e o amigo (ou
familiar?) vivia na Corimba.
Ora a Corimba era ali, subia-se a Álvaro Ferreira, passava-se o Hospital Maria Pia e descia-se para o Samba e o Corimba. Não conhecíamos a cidade muito bem, mas isso sabíamos.
A coisa, assim vista, pôs-se simples para
mim e para o Neto: «Ó homem, a gente leva-o lá...». E
levámos, no carro do Neto, achando-lhe a casa que procurava.
Ficou lá pela
manhã, com o nosso compromisso de o levarmos de retorno ao Grafanil! Mas
atrasámo-nos, distraídos na noite de Luanda, e
atabalhoou-se o Neves, com medo de algum castigo. Soubemos que se precipitou,
mesmo, a querer ir a pé até ao Grafanil, que era a uma porrada de quilómetros,
uns 14 ou 15!, mas foi "travado" pelo familiar, ou amigo. E finalmente lá
o pegámos.
O Neves estava
branco na cara e medroso na alma! Que não, que não ia ser castigado,
nada!, garantíamos-lhe nós! Que não se preocupasse! Que não tivesse medo! Mas o
bom do Neves foi lívido e sem uma palavra até ao Grafanil, onde o alferes Garcia
fazia de oficial de dia e lá o descomprometeu. E descansou!
Para o
desafligir, ficámos algum tempo com ele, num dos bares do campo militar, com ele
e outros a despejar nocais, ou cucas, ou n´golas - cervejas angolanas, bem
fresquinhas e que tantas vezes nos tinham matado dores de alma.
«Mas eu não
vou levar uma porrada?!...», perguntava o Neves, repetidamente,
aflitivamente, camuflando-se do grupo que parodiava no bar.
«Não,
homem!!...», gritava-lhe o Neto, sempre mais expansivo que eu e a azucrinar
o juízo do santo do Neves.
«Ele ainda
está com medo?....», perguntou o Garcia, a quem fomos dar o «até
amanhã». Como lhe dissemos que sim, foi buscá-lo e ficou a conversar com ele
pela noite fora. Eram assim feitos, de pormenores e de partilha, diria que de
amor!..., os nossos últimos dias de Angola.
- NEVES. José Coutinho das Neves, soldado
atirador de cavalaria, do PELREC. Suponho
que vive na zona de Sintra,
Também eu, assim que aterrámos em Luanda parti em busca de amigos e conhecidos e confesso que não foi tarefa nada fácil.....!
ResponderEliminarMas permite-me que altere a parte final do teu comentário;........
Foram assim feitos, de pormenores e muita partilha, diria que de amor!.... todos os dias que jornadeámos por Angola!
Um abraço.
Carlos Silva