CAVALEIROS DO NORTE!! Batalhão de Cavalaria 8423, última guarnição militar portuguesa nas terras uíjanas de Quitexe, Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Ponte do Dange, Songo e Carmona! Em Angola, anos de 1974 e 1975!

domingo, 17 de junho de 2012

1 320 - Os negócios do 1º. sargento e o soldado «borra-botas»...



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ANTÓNIO C. FONSECA
Texto (e na foto)

Nunca fui grande apreciador de bebidas brancas e, talvez por isso mesmo, tenha sido dos poucos sem stock de garrafas de whisky, principalmente do que se fabricava em Angola. Não era grande coisa, segundo diziam os entendidos na matéria, embora alguns destes “entendidos” nunca tivessem provado tal tipo de bebida antes de pisar solo angolano! O que normalmente se bebia por cá era vinho, do bom, do puro, da adega, ali a escorrer da ruidosa torneira de madeira! Agora, whisky…, qual whisky, deixemo-nos de coisas!
Mas tínhamos por lá, pelo Quitexe, grandes apreciadores e também dos que faziam grandes negócios com o dito! Negócios feitos, alguns por gente do quadro, já batidos naquelas andanças e sempre à espreita do lucro fácil! Já se tornava difícil avaliar quem conseguia maiores lucros, tais eram as movimentações e os esquemas que aqueles cérebros engendravam. Negócios que, por vezes, punham a um canto os bem sucedidos esquemas dos combustíveis e outros, supervisionados pelo Palma, que também é Florentino e com raízes em Mira d’Aire (isto em resposta à pergunta, não inocente, do Cavaleiro JD)!
Claro que nunca me interessaram tais actividades e até delas me ria quando, ingenuamente, alguns falavam quase em código, pensando, talvez, serem os únicos seres inteligentes à face da Terra! Todos os outros eram burros, porque não percebiam o que se passava, ou porque não eram suficientemente espertos para o negócio! Mas diz-nos a vida que, quando nos sentimos os únicos espertos, estamos à beira de sentir também cangalhas nas costas, colocadas por supostos asnos!
Tudo isto me passaria ao estreito, não tivessem um dia tentado usar-me  no negócio das bebidas!
Então e não é que certo dia, no posto de rádio, fui confrontado com uma ordem estranha de um 1º, sargento do quadro?! Abeirou-se de mim, com uma lista na mão,  para que eu contactasse, via rádio, os seus tentáculos espalhados pelas companhias operacionais?! E que o fizesse usando os códigos possíveis, afim de não ser detectado!
Afinal, o esquema já ultrapassava a barreira da CCS, coisa que eu até ali desconhecia!
Estupefacto, ouvi o recado até ao fim, como um bom subordinado, mas no fim saltou-me a tampa e meti o 1º. na rua, à bruta e sem medir as consequências, valendo-me eu da área ser reservada!
«Empurraste o nosso 1º., pá!!!!... Vamos ver se o gajo não te f…lixa!», dizia-me preocupado o Mario José, que eu acabara de substituir e que já se prontificara a ficar no meu lugar enquanto eu chamava o oficial de transmissões ao posto de rádio, afim de lhe dar conta do sucedido e proceder como ele melhor entendesse!
Tanto quanto soube, o 1º. sargento não se livrou de um forte aperto de calos, não passando de mais um no vasto currículo. A minha atitude mais brusca, assim como o meu depoimento, só não se viraram contra mim porque o Zé, que era (e é) de Murça, e que ainda faz o favor de ser meu amigo, disse ao comandante Trindade e Lima: «Meu comandante, posso não passar de soldado borra-botas, mas ninguém é mais honesto que eu!».
O comandante apreciou, e muito, a sua postura, mas aquela do “borra-botas”, nem por isso!
«Fica o soldado a saber que neste batalhão não há borra-botas!»,corrigiu-o, com voz  forte e determinada, demonstrando a quem cabia a última palavra!!!
E a vida no Quitexe continuava, calma e serenamente, também um pouco alimentada por estes e outros episódios que no fundo nos aliviavam de outras preocupações! E distraíam!
ANTÓNIO C. FONSECA

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