CAVALEIROS DO NORTE!! Batalhão de Cavalaria 8423, última guarnição militar portuguesa nas terras uíjanas de Quitexe, Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Ponte do Dange, Songo e Carmona! Em Angola, anos de 1974 e 1975!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

2 957 - Primeiros dias operacionais e a Fazenda Chandragoa

Fazenda Chandragoa, a 8/9 quilómetros do Quitexe. Ali teremos estado nos 
primeiros dias de Julho de 1974. As casas dos trabalhadores (em baixo). Mais 
abaixo, Zeca Silva, um contemporâneo do Quitexe


Os primeiros dias operacionais do PELREC, da CCS dos Cavaleiros do Norte, foram para os lados da serra da Quibianga, passando pelas sanzalas do Quimassabi e Quitoque, para quem ia para Carmona, cortando à direita (antes da fazenda Pumbaloge) por pequenas lavras e fazendas, já pela pequena mata adentro. Uma das saídas seguintes foi a caminho de Camabatela, depois do Cazenza e do cemitério e algures cortando à esquerda, depois de Aldeia - ou coisa que o valha.
Um destes dias, chegou-me mensagem de um quitexano, jovem estudante do nosso tempo da jornada africana do norte angolano: o Zeca! Zeca Silva, este mesmo, que se mostra em pose na fazenda, na imagem ali mais abaixo! Hoje, mandou-me fotos da fazenda do pai: a Chandragoa.
A Chandragoa!!, fez-se luz!..., ficava a oito/nove quilómetros do Quitexe, muito pertinho, depois da Guerra & Cia, passando a Isabel Maria, a Quinta das Arcas, a Bela Encoge.
A Guerra & Cia, recordo-me bem: chegámos lá ao alvorecer de um dia de fins de Junho de 1974 e parámos para matabichar, já saíam centenas trabalhadores para o enorme cafezal - caminhando ao longe, no abrir do dia, mais parecendo o andar das suas carapinhas milhares de lentas ondas do mar. Descemos dos Unimog´s e fomos literalmente assaltados por crianças negras, de ventres despidos, descalços, sem calças ou calções a guardar-lhe as pernitas sujas, gulosos pelas rações de combate que nos pediam.
«Eeeeeeeh, esfurrieuuuu Veigas!...», disse um deles, d´olhos postos na mochila onde levava os mantimentos. «Dá-me os manteiga...».
Estremeci!! Como era possível? Veigas? Veigas era como ele, meia dúzia de anos de gente, o puto de pé descalço e cara ranhosa, soletrava o meu apelido Viegas. Como poderia ele saber o meu nome? Nós estávamos no Quitexe há poucos dias!!! Ainda hoje não sei. Mas sei que, por momentos, momentos largos..., senti medo e ganhei desconfiança!  
O dr. Leal, capitão médico miliciano dos Cavaleiros do Norte, deu as consultas que tinha a dar, distribuiu medicamentos e seguimos para outras fazendas. É aqui que, ao ver as imagens que me mandou Zeca Silva, se me fez luz sobre a Chandragoa. Também lá fomos! O pai era o dono e, soube agora, produzia cerca de 700 toneladas de café, numa área de aproximadamente 2.850 hectares. Uma brutalidade, se a compararmos com a nossa retalhada agricultura!
Silva, o sr. Silva, era o dono da Chandragoa, está agora na casa dos 90 anos e a morar em Vila Nova de Santo André, onde o filho Zeca trabalha na Refinaria da Galpenergia.
Hoje, por momentos, senti os cheiros quentes de Angola a matar-me a saudade dos chãos uíjanos. Senti a terra vermelha, molhada de suor, a enlamear-me o corpo! Senti saudade dos sorrisos das crianças, dos olhares serenos dos velhos e, até, recordei a surpresa de ver as mulheres, de peitos meio desnudados, a fumarem as ervas secas apanhadas nas lavras.

1 comentário:

  1. Caro amigo Viegas.
    Que emocionante é ver aqui postado no blogue dedicado aos cavaleiros do norte, as imagens e escritos que me fizeram voltar a tempos vividos naquela longínqua região. Por muitos anos que passem, estará sempre na minha memória.
    OBRIGADO por ter relatado factos, de uma forma tão verdadeira e emocionante.
    Aquele abraço.
    Zeca Silva

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