Cavaleiros do Norte do parque-auto, a «ferrugem». Assinalados estão
o alferes António Albano Cruz (a amarelo), o 1º. sargento Joaquim Aires
(vermelho) e o furriel Norberto Morais (branco)
O furriel Viegas, no Quitexe, a «escrever memórias», muitas das quais já foram faladas neste blogue, fazendo parte da história da jornada africana dos Cavaleiros do Norte no Uíge angolano |
Aos meados de Março de 1975, pela terra angolana do Uíge, os Cavaleiros do Norte continuavam a sua missão, relativamente indiferentes aos tempos de crescente instabilidade que levedava pela capital (Luanda) e outras zonas do imenso território que Diogo Cão descobriu e que, ao tempo, crescia para a independência.
Carmona, a capital uíjana, oferecia um mundo novo aos «apetites» dos jovens combatentes, que por lá debutavam a (sua) vida urbana e se adaptavam aos desafios que se abrem numa cidade, «coisa» nova para a generalidade dos jovens Cavaleiros do Norte da CCS, que lá se aquartelavam no BC12, desde o dia 2. Não eram, agora, os desafios e os medos que se tinham «ganho» nas operações da mata fechada e tenebrosa, angustiante, galgando os trilhos semeados de minas e armadilhas, muito perigosos..., de emboscadas traiçoeiras e mortais; ou das escoltas ou das patrulhas apeadas, garantindo alas de segurança para quem transitava ou habitava nas terras mártires do nosso saudoso Quitexe. Eram os desafios e os medos que espreitavam nas esquinas das ruas, ou do alto traiçoeiro de uma janela dos altos edifícios da cidade; eram as acusações injustas que lhes eram atiradas à cara, era a crescente hostilidade da comunidade civil. A branca e europeia, em crescente animosidade e que nos chamava de cobardes e traidores; a local, que espreitava o momento mágico da sua independência e, o mais rápido que fosse possível, nos queria ver pelas costas.
Carmona, actual cidade do Uíge. A Rua do Comércio e o popular sinaleiro. Neste local, hoje se fazem 41 anos, registou-se um incidente entre a PM do BCAV. 8423 e um grupo de civis |
A 16 de Março, um domingo, hoje se passam 41 anos..., na Rua do Comércio, uma unidade PM parada no cruzamento do sinaleiro (foto), foi insultada e cuspida. «Filhos da p..., cobardes!!! Traidores de m... Cabrões», gritou uma mulher, ali parada com alguns familiares, espumando de raiva e despejando cuspe para cima do jeep militar.
Reagiu o João Marcos, bravo e garboso Cavaleiro do Norte do PELREC, atirador de Cavalaria do BCAV. 8423 e querendo desforço.
«Fod.... já, raaaanhosos!...», gritou ele, tentando saltar da viatura, para retaliar, mas impedido pelo furriel que comandava a força PM. E saiu este da viatura, aconselhando serenidade à família, para evitar confrontos. E foram evitados, mas tendo ele, porém, de ouvir, o mais tolerante que foi capaz e seguro, mais acusações:
«Vocês são todos uns traidores, uns cobardes, estão a dar isto aos pretos...», disse um dos vários homens do grupo, com ar ameaçador, agressivo e colérico, de olhos a faiscar raiva, com evidente instinto de agressão física.
A serenidade do grupo PM evitou o confronto e semanas depois, numa daquelas dramáticas ironias da vida, foram estes mesmos Cavaleiros do Norte quem, perto do Cinema Moreno, acudiram a um assalto à casa do mesmo homem, quando homens da FNLA já lhes carregavam mobília e vários bens e roubado jóias, dinheiro e valores.
«Somos nós, somos!!...», disse-lhe o furriel, contemporizador mas preciso. «Os traidores e cobardes da Rua do Comércio!!!... Lembra-se?!», acrescentou-lhe, em pergunta, com tranquilidade mas em evidente ironia - já depois de terem desamarrado os familiares, atados com cordas às barras das camas.
Foi isto há 41 anos!
Quando Angola evoluía para a independência e os Cavaleiros do Norte faziam de Carmona e do Uíge uma fortaleza de segurança, que duraria até à madrugada de 4 de Maio, quando os trágicos incidentes desse e dias seguintes tantos lutos fizeram na cidade.
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