CAVALEIROS DO NORTE!! Batalhão de Cavalaria 8423, última guarnição militar portuguesa nas terras uíjanas de Quitexe, Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Ponte do Dange, Songo e Carmona! Em Angola, anos de 1974 e 1975!

segunda-feira, 30 de abril de 2012

1 271 - O prenúncio de um levantamento de rancho!!!



O Quitexe, em 2012. O hospital, à direita, foi requalificado
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ANTÓNIO C. FONSECA
Texto


Ontem, à conversa com um amigo da minha Companhia, veio a lume o que se comia e não comia no refeitório do Quitexe! Chego à conclusão que a maioria do pessoal corta na casaca do 1º.  cabo Castro, o responsável pela alimentação dos praças! 
Se ele, o Castro, ouvisse tais críticas, não hesitaria, nem um segundo, em atirar uma terrina de sopa para cima de quem o critica! Vale-lhes a sua ausência por terras do Tio Sam, caso contrário, se é que ainda mantém o seu vigor de então, ele poria alguma ordem nos críticos e informá-los-ia do quanto penou para colocar nas mesas o suficiente para que ninguém de lá saísse com tripa solta!
Dito assim, até pode parecer que nos queriam alimentar com fome, o que não corresponde à realidade! Mas que havia grandes truques para que isso não acontecesse, era verdade! Ele, o 1º. cabo, na prática era o responsável pelo que chegava às mesas, depois de passar pelo crivo do orçamento da CCS, também pelo crivo duvidoso do 1º Sargento, este bem (mal) acolitado, e ainda pelas contas apertadas do furriel vagomestre! Este, sabendo bem que muita coisa ficava no peneiro, fazia contas e mais contas com o incansável Castro, algumas vezes com discussões bravias pelo meio, na tentativa de não haver por ali um levantamento de rancho! E se houvesse e fosse bem sucedido, a coisa ficaria muito negra, até mesmo para o Comando, tanto quanto sei!
Não houve levantamento, mas houve uma ameaça por parte do soldado Pacheco, que em Matosinhos fazia pela vida, como pescador! Vai daí, garantiu que o peixe colocado na mesa estava impróprio para consumo, para não dizer estragado! E quem é que o conseguia parar?! Nem o Castro, nem o vagomestre e nem sequer o capitão de operações! E agora como vai ser com o Pacheco a jurar pela mulher e filha, que ou mudam o prato ou a coisa vai estoirar?!«Isto não é comida que se dê a ninguém, e muito menos a homens com mais de oito horas de picadas!», esbracejava vermelho de raiva à porta da secretaria, enumerando as mordomias dos sargentos e oficiais, principalmente dos que passavam o dia com o traseiro na cadeira e olhavam com desdém para os que davam o cabedal ao manifesto! E gritando outras coisas incómodas para os ouvidos de alguns sargentos, que sem esboçarem qualquer gesto viam a carapuça enterrar-se-lhe até ao pescoço!A uma distância de 39 anos e dito antes do 25 de Abril, a coisa era fogo!! E até mais que motivo para férias nos calabouços de Luanda!
“Mas afinal, há levantamento de rancho ou não há?!, e o furriel vagomestre como fica no meio de tudo isto?!”, era a pergunta e a preocupação que ficavam!Valeu a interferência do comandante, que em boa hora, para todos, chamou o Pacheco ao gabinete. Demoraram as “negociações”, mas saiu fumo branco! Fumo branco e troca do peixe por outro prato que satisfez o revoltoso e seus “muchachos”, e que serviu também para abrir a pestana do Comando!
A cena voltaria a repetir-se, noutra Companhia do Batalhão, e que terminou com a prisão do meu amigo e conterrâneo Jorge, principal instigador e prontamente apoiado, mas mais tarde abandonado pelos colegas quando chegou a hora da verdade! Não sabiam rigorosamente de nada!!!...«Bando de cobardes e traidores, se o são aqui também o serão na mata!», gritou o Jorge quando foi levado para a cela da Companhia!O Pacheco, sempre tão reivindicativo como cumpridor, curiosamente, ou talvez não, viria a ser alvo da rigorosa disciplina militar, já noutras paragens!  Quando o mar se preparava para levar definitivamente um nosso colega, o Pacheco, exímio nadador e portador de barbatanas que usava na pesca, foi acordado na sua folga, saltou o arame farpado a escassos metros da água e salvou o amigo já quase inanimado! Foi um acto de heroicidade de que hoje ainda se fala e que se pensava valer-lhe um louvor! Ao contrário, não só não foi louvado, como ainda lhe valeu ficar sob alçada disciplinar! Sob alçada disciplinar porque, tal como dizia a participação do capitão, “por se ter ausentado do quartel, sem autorização e transpondo o arame farpado em detrimento da porta d’armas, e em trajes menores …”!
Assim, melhor fora que tivesse saído pela porta d’armas…em cuecas! E ainda hoje, amigos que ficaram para toda a vida e que anualmente se sentam à mesma mesa, se riem do caricato da participação! Riem… agora!
E assim, também, se ia cumprindo a nossa missão por terras de Angola!
ANTÓNIO CASAL FONSECA 

domingo, 29 de abril de 2012

1 270 - Último dia de férias em Luanda, Abril de 1975!

Propaganda nas ruas da cidade de Luanda (foto da net) e
o professor e advogado Custódio Pereira Gomes  em Carmona (em baixo)


A 29 de Abril de 1975, acabou-se o bem-bom das férias e lá tivemos (eu e o Cruz) de regressar a Carmona, ao BC12 e à messe do bairro Montanha Pinto. O que era bom, acabava-se ali, naquele dia, quando de véspera voaríamos de Luanda, num avião da TAAG.
E partir, lá isso partimos, com a ideia de irmos jantar a Carmona e prevenidos de tempo, para qualquer problema que pudesse surgir. E surgiu, já AQUI o contámos e valerá a pena ir rever
Luanda, ao tempo e como por aqui já dissemos, era palco de permanentes incidentes, entre militares/militantes do MPLA E FNLA - que espalhavam medo, terror e sangue pelas noites e chãos da cidade, pelos musseques e onde bulisse alma de gente de qualquer cor. O recolher obrigatório era quase sempre desrespeitado e multiplicavam-se os conflitos, as palavras  de ordem anti-tudo e todos. A violência alastrava-se e a propaganda desenhava-se e escrevia-se nas paredes e asfalto da cidade, pouco pacífica e, pior, inspiradora de ódios. Os tiroteios, principalmente de noite, confundiam-se com o rebentar de granadas e morteiros. Ainda me lembro, de, à noite, ver o fogo a cruzar os céus da cidade, que eu via do 7º. andar do Katekero. Estranhamente, ou talvez não, a esmagadora maioria da população parecia indiferente a isso tudo. A cidade de Luanda, cosmopolita, cheia de luz, ciosa e atraente, parecia matar todos os medos. Tudo parecia funcionar, como se nada se passasse.
Assim por lá passámos os últimos dias de férias, entre os prazeres da ilha, da restinga, do Amazonas e da Portugália, da Paris Versailles e da Mutamba, o cinema e a noite, o Mússulo e o contacto com o grande número de amigos que por lá tínhamos. Vida da boa!
- GOMES. Custódio Pereira Gomes. Advogado e professor em Carmona, já 
falecido e ao tempo viúvo de Maria Augusta Tavares - filha de Laura e Manuel 
Tavares, que foram daqui, de Ois da Ribeira, minha terra natal e de residência. 
Os sogros tinham sido patrões de minha irmã Maria Dulce. Tem família a 
residir em Coimbra e o filho Álvaro em Madrid. 
Um neto, filho de Álvaro, está a trabalhar em Carmona.

sábado, 28 de abril de 2012

1 269 - O adeus definitivo a Aldeia Viçosa

Aquartelamento de Aldeia Viçosa, de onde a última
 guarnição militar portuguesa (a 2ª. CCAv. 8423) saiu a 26 de Abril de 1975


A 26 de Abril de 1975, ao outro dia das eleições para a Assembleia Constituinte, a última guarnição militar portuguesa disse adeus definitivo a Aldeia Viçosa. Por lá esteve, desde 10 de Junho de 1974, a 2ª. CCAV. 8423, comandada pelo capitão miliciano Cruz. Foi para Carmona e instalou-se no BC12.
As eleições, por lá, pelo Uíge angolano, decorreram com normalidade. «Dando a nossa colaboração ao processo revolucionário em Portugal, foi o BCAV. encarregado da montagem das assembleias de voto em Carmona, pelo que em 25 de Abril, se verificou a ida às urnas de todo o pessoal que o quis fazer», lê-se no Livro da Unidade.
Para tal e «em tentativa de o preparar», realizaram-se palestras orientadoras, a 16, 23 e 24 de Abril, esta orientada por oficiais do CTC e BCAV. 8423, ambos delegados do MFA. Já agora, para precisar a história e a memória, registe-se que o primeiro aniversário do 25 de Abril, em Carmona, foi assinalado com «cerimónia simples  mas singela», no CTC, com «içar da Bandeira Nacional, com as melhores honras militares e a presença de todos os oficiais».
A saída da 2ª. CCAV. 8423 de Aldeia Viçosa - e a sua consequente desactivação - completou a remodelação do dispositivo militar do batalhão. Dias antes (24), a 1ª. CCAV. abandonara Vista Alegre e Ponte do Dange.
Alheios a estas movimentações (e eleições), eu e o Cruz vadiávamos por Luanda, onde os dias não eram tão pacíficos assim, mas eram fartas as mordomias e as descontracções de quem, como nós, vivia tal tempo com recheio de alegria e banhos contínuos de prazer e emoções, na flor dos nossos juvenis 22 para 23 anos! E quanto a eleições, não votámos, por estarmos fora de Carmona! 
- 2ª. CCAV. 8423. Ficou instalada no BC12.
- CRUZ. José Manuel Romeira Pinto da Cruz, 
capitão miliciano, comandante da 2ª. CCAV. 8423.
Professor aposentado, residente em Esmoriz.
- CTC. Comando Territorial de Carmona.
- MFA. Movimento das Forças Armadas.



sexta-feira, 27 de abril de 2012

1268 - O Encontro 2012 da Companhia de Santa Isabel

Aquartelamento da fazenda Santa Isabel (1974)


A 3ª. CCAV. 8423, que aquartelou em Santa Isabel e depois no Quitexe e Carmona, vau reunir.se a 9de Junho, no encontro anual - o de 2012. O ano passado foi em Torres Vedras, a 4 de Junho e no Sol Oásis, com organização do (ex-capitão miliciano) engº. José Paulo Fernandes.
A organização de 2012 é do Pavanito e do Moço, que marcaram mesa para a Quinta Vitor Guedes, em Vila Nova de Azeitão. A rapaziada está toda convocada, mas terão os bravos Cavaleiros do Norte de Santa Isabel de anunciar a sua guia de marcha. Os contactos são estes:
- PAVANITO: Telefone 211816775 (de casa e a partir das 20,30 horas) e telemóvel 963057134 (todo o dia).
- MOÇO: Telemóvel 916707784.
O mais conveniente é que a malta dê nota do se assentamento de praça com a maior brevidade possível. Para que a organização se aperfeiçoe como deve ser (e é capaz) e tudo corra bem.
A concentração será em Azeitão, mo Largo do Rossio, e de lá partirá a comitiva, em patrulha móvel e devidamente orientada, para a Quinta Vitor Guedes, onde decorrerá o repasto e se matarão as saudades do tempo em que, de 1974 para 1975, se fizeram irmãos os Cavaleiros de Santa Isabel.
A recomendação, entretanto, chega do (ex-alferes) Carlos Silva, no sentido de, sem se querer adiantar aos organizadores, sugerir que façamos notícia do evento. «O tempo passa depressa e convém a malta ir agendando o evento, porque quanto mais gente, melhor!», disse ele, em correio para o blogue.
A notícia aqui fica!
- AZEITÃO: Freguesia do município de Setúbal, a 
sensivelmente 30 minutos de Lisboa.
- PAVANITO. Euripedes Jacinto Pereira Pavanito, 
soldador condutor da 3ª. CCAV. 8423.
- MOÇO. Manuel Agostinho da Silva Moço, 
soldado condutor da 3ª. CCAV. 8423.


quinta-feira, 26 de abril de 2012

1 267 - O 26 de Abril de 1974, em Coimbra!!!

Hotel Astória, em Coimbra. Mesmo aqui em frente, 
o carro do Neto foi levantado pela multidão, 
eufórica e em manifestação


A 26 de Abril de 1974, depois de dispensados para mais um fim de semana, abalámos no SIMCA 1100 do Neto, de Santa Margarida e via Tramagal e Abrantes, por aí fora, por Condeixa e Coimbra, até Águeda. Passada a ponte, realizava-se na baixa de Coimbra uma grande manifestação popular, de apoio á revolução, que literalmente interrompeu o trânsito - julgo não errar, dizendo que por horas. Eram milhares e milhares de pessoas.
A bicha automóvel vinha do alto de Santa Clara, na antiga EN1 (muito antes da actual ponte Europa), e se passar a cidade já era normalmente um martírio, naquele dia foi bem mais complicado, quase a passo e... parado. A euforia popular enchia a estrada e, depois do longo tempo de passagem da ponte, mesmo em frente ao Hotel Astória, alguém da multidão reparou que dentro do SIMCA 1100 iam militares e, ó minha gente, o carro do Neto, connosco lá dentro, foi levantado em peso e levado no ar talvez mais de um metro. 
A euforia e deslumbramento populares eram infindáveis (e incontáveis), com vivas e palavras de ordem, cartazes, slogans, cantares e vivas à tropa!
Já em Águeda, e deixando-me o Neto na estação do caminho de ferro, senti-me apalpado de emoções e corado de elogios à tropa, tantas eram as palavras e os gritos de ordem das dezenas de pessoas que ali aguardavam o comboio, para Aveiro ou Sernada, Espinho ou Viseu.
«Vocês, já não vão para a guerra!!!...», dizia aquela boa e humilde gente, deslumbrada e feliz do dia que se vivia, ao outro da revolução. E cansada de ver partir os filhos, irmãos, namorados e maridos. Já se sabe que fomos!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

1 266 - O dia 25 de Abril de 1974 e os Cavaleiros do Norte

Há 38 anos, foi o 25 de Abril - que o povo veio a baptizar de Revolução dos Cravos. O BCAV. 8423 estava em Santa Margarida, no Regimento de Cavalaria nº. 4 e, pelo que leio no Livro da Unidade, não tinha sido contactado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), «nem tão pouco alguns, ou alguns dos seus oficiais».
Isso não foi razão, porém, para que, de imediato, se «sentisse como parte» e logo no dia seguinte, uma sexta-feira (26) e antes de virmos de fim de semana, o comandante Almeida e Brito explicou «a todo o pessoal, o que o MFA pretendia», em palestras «orientadas especificamente para oficiais, sargentos e praças»
Eu, no dia 25 de Abril e como habitualmente, levantei-me cedo e fui para a área de balneários do pavilhão onde dormíamos, para a higiene pessoal e desfazer a barba, estranhando que a rádio só passasse marchas militares. Era meu hábito, como ainda hoje, levantar-me cedo e tranquilamente fazer essas tarefas, antes de chegar a balbúrdia dos mais atrasados e mais apressados. Seguia depois para a messe, onde pequeno-almoçava e caminhava para o Destacamento.
As tarefas de higiene eram acompanhadas pelo pequeno transistor e a estranheza da música militar só foi  interrompida pela leitura do comunicado do MFA. Eh, pá!!!!... Fui acordar toda a gente e contar a novidade, sobressaltando quem dormia os últimos minutos dessa manhã e se estremunharam com tal.
Ao sair do RC4, para o Destacamento, fomos impedidos à porta d´armas e ficámos pelo quartel durante toda a manhã. Ao destacamento fomos, da parte da tarde, mas sem nada de especial se passar.
- MFA. Comunicado lido pelo locutor Joaquim Furtado, aos
 microfones do Rádio Clube Português (pai de Catarina 
Furtado). Ouvir AQUI.
- TRANSISTOR. Pequeno rádio a pilhas, do tamanho 
de um maço de tabaco, muito usado na altura - por ser 
barato e de fácil manuseamento.

terça-feira, 24 de abril de 2012

1 265 - Os dias de Angola e dos cavaleiros de Santa Isabel

Belo, Rabiço, Querido, Guedes e Fernandes em Santa Isabel (1974)

Os dias de Angola tinham todo o tipo de ocupações, fora dos serviços, das escoltas, das operações e outras diligências. Uma boa tarde de cartas, era uma delas! Umas valentes suecadas, umas biscadas, ou até, mais arrojadamente, umas lerpas!!!, não eram coisa que não se visse pelas guarnições. Bem pelo contrário.
Havia também as damas, o dominó e por lá aprendi o bridge (que já esqueci de saber jogar).
Umas boas tardes de conversa, que iam invariavelmente pela noite dentro, com intervalo para a janta, não escapavam ao quotidiano.
Havia quem (muito poucos) se entretivesse a ler. Recebia eu, por exemplo, o Jornal de Notícias dos domingos e 2ªs.-feiras, além de SP (jornal de Águeda, no qual ainda hoje colaboro). E a messe de sargentos era «cliente» do Diário de Notícias, de A Bola e do Expresso. 
Outra gente, fazia o tempo com intermináveis aerogramas para as mulheres, namoradas, madrinhas de guerra, pais, irmãos, amigos e familiares. Aerogramas que se liam e reliam e se escreviam, de perna traçada no colchão da camarata ou, mais fidalgamente, na mesa do bar das messes e bares.
A imagem, cedida pelo Fernandes, mostra tempo de lazer em Santa Isabel, a «estância» onde turistou a 3ª. CCAV. 8423. Frente a A Cubata (o bar dos furriéis, onde algumas vezes bebi boas, saborosas e frescas cervejas), lá estão o Belo, o Rabiço, o Querido e o Guedes, a «batê-las» (as cartas), sob o olhar curioso do Fernandes.
Reparem-se em alguns pormenores:
1 - A Rua Heróis da Marmita (no canto superior direito), certamente homenageando todos os grandes «lateiros» da tropa santa-isabelana.
2 - O sapato fino e de pala do Guedes, de cigarro pendurada na boca e a matutar na jogada, com os óculos empurrados na cabeça.
3 - O sapato de pala do Rabiço, de farda nº. 2 (como o Guedes).
4 - O Fernandes, de camuflado e sapato preto, de atacadores! Camuflado e sapato fino, ó Fernandes?? Ai essa guerra!!!
- BELO. Agostinho Pires Belo, furriel miliciano de alimentação. Aposentado da administração fiscal e residente no Retaxo (Castelo Branco).
- RABIÇO. Ângelo Tuna Rabiço, furriel miliciano enfermeiro. Professor primário aposentado, residente em Vila Real.
- QUERIDO. José Adelino Borges Querido, furriel miliciano atirador de cavalaria. Funcionário público e empresário, em Odivelas.
- GUEDES. Vitor Mateus Ribeiro Guedes, furriel miliciano de armamento pesado. Faleceu a 16 de Abril de 1998, há 14 anos.
- FERNANDES. António da Costa Fernandes, furriel miliciano atirador de cavalaria. Professor, residente em Braga.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

1 264 - Há 39 anos, o meu primeiro dia de tropa...

Assentei praça faz hoje precisamente 39 anos. O tempo voo!!! Era Abril de 1973 e, verdinho de anos e com a irreverência de quem tem sonhos, lá me fiz a caminho da tropa. A preparar-me para a guerra!
O dia tinha uma marca muito particular e íntima: faziam-se precisamente oito meses de luto pela morte de meu pai e a minha partida gerou alguns constrangimentos familiares, pessoais e afectivos.
Não havia, porém, muito como escapar e eu não também quis  beneficiar de qualquer eventual apoio que, em qualquer grau, m´evitasse ir à tropa. Teimoso e orgulhoso, lá me pus eu, faz hoje 39 anos, em traje de ir para a guerra - com o bornal cheio de recomendações de minha mãe, que em casa ficou viúva e sozinha!

Todos destes anos depois, posso garantir que nunca me arrependi, nem nos duros tempos de Lamego (nas Operações Especiais que me fizeram Ranger), muito menos na recruta da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Ou sequer nos tempos de Santa Margarida - onde se fez nascer e crescer a família dos Cavaleiros do Norte.
No bornal e fresquinhas como alface saída da horta, levava recomendações de familiares e amigos e a memória a rebobinar conversas de meu pai - que, na minha adolescência (e sabendo que o meu futuro seria a guerra!), me falava de coisas de quando ele, nos anos 40, se fizera magala, chegando a 1º. cabo enfermeiro: "Cumpre sempre as ordens, discute-as só quando tiveres certezas e depois de as cumprires!». 
Assim julgo ter feito. E pela vida fora!
Hoje, 39 anos depois, direi, e direi com total convicção, que ganhei muito por ter ido à tropa. Que, entre virtudes e defeitos, boas e más memórias, dramas, tragédias e glórias, me "fiz melhor". Melhor, principalmente, porque ganhei a solidariedade dos muitos companheiros que, de 23 de Abril de 1973 a 8 de Setembro de 1975, foram gente do meu dia-a-dia, dividindo-se e/ou multiplicando-se comigo. E pela vida fora, até hoje!
Não tivesse ido e, seguramente, ainda hoje me sentiria um cidadão menor! Ainda hoje, melhores dos meus amigos, são amigos da tropa. De Portugal e de Angola!
- FOTO. Tirada em Lamego, no CIOE, em Setembro ou 
Outubro de 1973, meses depois de ter assentado praça. 
Estava de serviço, de sargento de dia, com a 
famosa pistola Walter em pose de tiro. 

domingo, 22 de abril de 2012

1 263 - O fim da Licença de Normas...

Neto, Viegas, Matos e Monteiro, quatro Cavaleiros 
do Norte em Santa Margarida (Março/Abril de 1974)


A 22 de Abril de 1974, os futuros Cavaleiros do Norte voltaram a encontraram-se em «força» máxima, no Destacamento do RC4, em Santa Margarida. Era uma segunda-feira e a chamada Licença de Normas fora dilatada - por qualquer motivo que agora me escapa. Era para ser apenas entre 18 e 28 de Março.
Agora, podia dizer-se, já nos conhecíamos melhor uns aos outros - com a integração dos especialistas, desde que começaram a apresentar-se, em meados de Fevereiro. Eles, eram os enfermeiros, os escriturários e amanuenses, condutores, sapadores, mecânicos, rádio-montadores e homens das transmissões, a malta dos reabastecimentos, gente de toda a raça e feitio!
Há 38 anos, ficámos a saber que iríamos para a Mata do Soares, nos arredores de Manta Margarida, fazer a chamada Instrução Altamente Operacional (IAO) - um período de preparação muito avançado, no qual, embora de forma simulada, as companhias faziam «vida de mato», como se já estivessem em zona operacional a sério. 
Por essa altura, sabendo-se que Angola era o nosso destino, não se imaginava que seria para o Quitexe - o que só soubemos em Luanda, já em Junho. As datas de embarque foram apontadas para fins de Maio, princípio de Junho, e ficámos a saber que iríamos em aviões dos TAM. 
Recomeçou a instrução, mas por poucos dias. Na quinta-feira seguinte, aconteceu o 25 de Abril e na sexta lá viemos nós de fim de semana. Quase toda gente pensou que já não iríamos para Angola, mas bem nos enganámos.
- TAM. Transportes Aéreos Militares.

sábado, 21 de abril de 2012

1 262 - Os homens do morse dos «caçadores» do Quitexe


Aguiar, Casal e Alvarito numa rua do Quitexe

Longe vão os tempos em que os três homens do “morse” se passeavam pela vila do Quitexe! Por alguma razão, que não recordo, sei que foi dia de fotos, a avaliar pelas que guardo no meu arquivo pessoal, todas tiradas no mesmo dia.

Gabarolice à parte, um trio de se lhe tirar o chapéu! É o que concluo depois de uma retrospectiva dos quase 27 meses em que distribuímos e cozinhámos tarefas e, principalmente, nos apoiámos incondicionalmente em momentos mais delicados. Momentos da esfera militar, que não foram poucos, mas também de ordem privada, aqueles que se partilham apenas restritamente.

Juntos desde a recruta e na especialidade no RTM do Porto, viríamos a ser mobilizados para Angola, para a mesma Companhia. No Quitexe, esperava-nos a mesma casa e, vejam bem, o mesmo quarto! Quarto bem espaçoso, com cada um no seu canto e respeitador do espaço alheio! Nada de confusões, porque ali não havia rebaldaria!

Havia, isso sim, era muita conversa e da boa! Conversa de malta de 22 anos, que ainda hoje (os três) recordamos nos termos de então, não com rubor nas faces porque já não somos meninos para tal, e porque disfarçamos o fora de tempo (de idade) com umas gargalhadas!

Ao tempo, as conversas só podiam relacionar-se com cachopas, umas de cá e outras de lá, negras, mulatas, e outras coisas mais que aqui não digo! 

As constantes trocas de escala, a título particular, era já quase um hábito, e tudo teria de ser bem cozinhado. O Furriel Teixeira, responsável pelas escalas, não arriscava uma alteração e muito menos queria saber se havia trocas, ou não! A simples possibilidade de chegar aos ouvidos do Capitão Amadeu Coelho tirava-lhe o sono!

«Não sei de nada nem quero saber, vocês são todos doidos»!..., resmungava ele já de costas voltadas e dedos nos ouvidos!

Desta forma, todas as trocas seriam por nossa conta e risco, mas fizemo-las sempre com espirito de entreajuda e camaradagem! 

Às vezes, o Alvarito abusava um pouco, baldava-se demais - era no que dava ser menino bonito do futebol! Perdia-se (ou achava-se!) nas noites da elite Carmoniana, palco que pisei uma única vez, onde quase se acotovelavam belezuras de todas as cores, na busca de noites escaldantes, porque também elas na ardente fogosidade dos seus vinte e tais anos! Outras, bem mais sabidas e de lábia e insinuações sensuais bem ensaiadas e apuradas, na busca de um incauto que se excedesse nas noites de enleios e a levasse, no pós-pecado, ao altar de véu e grinalda! Era assim…como uma espécie de descamisada, de cá, na década de 60, mas sem a beleza natural e genuinidade das moçoilas de então!!!

Pois é, com todo este manancial de temas quentes por explorar, agora imagine-se o tipo de blá blá blá naquelas noites igualmente quentes, e que tirava o sono ao trio do morse! Ao trio do morse e outros trios espalhados por outros quartos e casernas do Quitexe, vila que corria (sabia-se lá!...) o risco de incêndio, face a tanta chama…de conversa!

O Aguiar, sobre quem escreverei entretanto, era o mais responsável de nós! Funcionava como bitola e moderador nos temas mais abrasivos!

Sem quaisquer vaidades, digo eu, excelente trio! Ao tempo do Quitexe…, e de hoje!
ANTÓNIO CASAL DA FONSECA



sexta-feira, 20 de abril de 2012

1 261 - O Ferreira que fazia a tropa na praia em Benguela

Marginal da praia de Benguela (foto da net).  Em baixo,
 Viegas e Zé Ferreira, em Santa Margarida (Março/Abril de 1974)

Lobito e Benguela eram terras de grande e farta promissão, que já se vivia e sentia em 1975, quando por lá passei com o Cruz. Não falamos das suas belezas, que aqui seriam redundantes quaisquer palavras.
Eram terras ricas, desenvolvidas, socialmente amadurecidas, empresarialmente evoluídas, por onde gente de todas as raças produzia riqueza e criava futuro. 
Os dias de Abril de 1975, por lá, foram cheios de bons momentos, com o Cruz a reencontrar familiares de Cardigos e até uma namorada de adolescência. E eu a regressar às belíssimas cidades de Lobito e Benguela, depois de em Setembro de 1974 lá ter dado uma saltada com o Orlando Rino, conterrâneo que era comerciante no bairro de Santo António, em Nova Lisboa. E agora, no Abril que florescia em férias e vadiagem, a pregar uma partida ao Zé Pimenta, companheiro de escola que aquartelava por Benguela, em companhia militar independente, de cavalaria, separada da praia por uma rede de arame. Imagine-se o luxo! 
Vem aqui o Zé Pimenta por uma historieca amalucada, que o deixara preocupado e amargurado. Saíra ele de Maria Fernanda (no norte de Angola) no princípio do ano e com a sorte grande de ir para Benguela. E escrevi-lhe eu, de Carmona e sabendo que o iria encontrar dentro de alguns dias, um lamuriento e choroso aerograma, dando-lhe conta de um virtual acidente, de que saíra (eu) muito mal-tratado. Chorou o Zé, lágrimas de amigo ao ler a minha trágica e mentirosa notícia. Soube-o depois! E chorou ele de verdade, de lágrima caída. Banha e ranho a escorrerem-lhe pelo queixo abaixo.
Imagine-se, pois, quando ao princípio da tarde de um destes dias de Abril de 1975, lhe entrei quarto adentro, onde ele dormia a sesta, a ressonar e enrolado numa manta, longe, muito longe de me imaginar por lá. 
«És tu, Zé Viegas???!!...», perguntou-me ele, meio estremunhado, a olhar-me de baixo para cima, admirado. 
E era eu! Eu e a sorrir-lhe de beiços largos e a penitenciar-me da apalermada partida que lhe pregara, brincando com coisas sérias.
Levantou-se o Zé Pimenta, a esfregar os olhos com os nós dos dedos e pendurou-se no meu pescoço, a chorar! A abraçar, a apertar!! Reparem, na foto, como é ele bem mais baixo que eu mesmo.
Afinal, eu estava sãozinho. Inteiro! Rijo como o aço e disposto a, com ele e o Cruz, irmos ajantarar nalguma marisqueira da restinga. E assim foi!
Ainda hoje não me perdoo, da minha idiotice. Eu tivera um grave acidente e ficara amputado. Era por isso que chorava o Zé Pimenta.
- ZÉ PIMENTA. José da Conceição Ferreira, o Pimenta. Furriel miliciano da CCAV. 8440, de 
Macinhata do Vouga, Águeda. Ex-chefe da Estação dos CTT de Oliveira de Azeméis, aposentado há menos de um mês.
- SBEL. Sociedade de Bebidas Espirituosas do Lobito, produtora do famoso whisky 
 SBEL, muito apreciado nas forças armadas.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

1 260 - Vista Alegre a preparar o adeus final...

Vista Alegre, a vila vista do lado de Quitexe, 
Aldeia Viçosa e Carmona (1074)

A 18 de Abril de 1975, o 2º. comandante do BCAV. 8423 (capitão José Diogo Themudo) deslocou-se a Vista Alegre, onde a 1ª. CCAV. (a de Zalala) fazia malas parar o adeus definitivo à localidade. Por lá foi a última guarnição portuguesa e de lá sairia a 24 de Abril seguinte.
O capitão Themudo fez-se acompanhar pelo alferes  miliciano Cruz, o oficial responsável pelo sector de manutenção-auto, e não custa adivinhar, e não custa adivinhar a razão da sua presença: averiguar da operacionalidade das viaturas que iriam assegurar a rotação da companhia.
A 1ª. CCAV. 8423 era comandada pelo capitão miliciano Castro Dias e ia rodar para a vila do Songo, que ficava a uns 40 quilómetros de Carmona. Lá foi, para de tal tratar, o capitão José Diogo Themudo, a  21 de Abril, lá conhecendo o aquartelamento onde os Cavaleiros do Norte de Zalala se iriam instalar.
A sul, por estes dias, eu e o Cruz vadiávamos por Lobito e Benguela, depois de uma inacreditável viagem de comboio, a partir de Nova Lisboa.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

1 259 - O Esteves da secretaria do Comando...


Hoje, estive à fala com o Esteves, que goza a sua reforma pelos lados de Viseu, depois de uma vida dedicada aos automóveis. Um problemazinha, ou outro, de saúde não lhe rouba a boa disposição e a nostalgia - quando se lhe fala do Quitexe e de Carmona. Ou de Luanda!!! Já nem falando da não esquecível Santa Margarida, campo militar onde nasceu e cresceu a família dos Cavaleiros do Norte.
O Esteves foi escriturário na secretaria do Comando e foi do tenente Luz a proposta do louvor à Ordem (nº.173) que lhe dá créditos de desembaraço, correcção e cumprimento «com todo o entusiasmo e noção exacta das responsabilidades». Apresentava os serviços que lhe eram distribuídos «com a maior perfeição e em devido tempo, mesmo os mais variados».
O Esteves não é visto pelos meus olhos desde 1997, quando o (furriel) Monteiro organizou o encontro de Penafiel. Já lá vão 15 anos, como o tempo passa!! Despedimo-nos na área de serviço de Antuã, em Albergaria, e lá foi ele à vida dele e eu à minha.
Da conversa de hoje, evoco a gargalhada solta quando, após os «entretantos» destas brincadeiras de falar ao telefone não se sabe com quem e passado tanto tempo, lhe fui adiando a identidade. 
«É d´Águeda, pá... É d´Águeda que fala!!..», disse-lhe eu, deixando silenciar o tempo. Logo ele se lembrou da graça por que me conheceu como «cavaleiro do norte», soltando outra sonora gargalhada.
Já agora, fazendo minhas as palavras do tenente Luz, no louvor, lembremos que o Esteves foi «um óptimo colaborador do seu chefe de secretaria, granjeando, por tal, admiração e estima de todos com quem no serviço privou».
Já nem te lembras disto, ó Esteves!!!
- ESTEVES. José Lopes Esteves, 1º. cabo escriturário, da secretaria do Comando do BCAV. 8423. Aposentado e residente em Viseu.



terça-feira, 17 de abril de 2012

1 258 - Corpo, alma e equipamentos nas operações militares




As operações na mata do norte de Angola eram sempre encaradas com confiança, é certo, mas também sempre com reservas: não se sabia o que aconteceria quando se pisava o chão de um trilho, eventualmente armadilhado. Ou se se galgava na mata, de peito aberto ao fogo que poderia ser disparado de quaisquer lados que nem víamos, do nenhures que nos metia medo, da emboscada que poderia ser mortal.
Preparávamos-nos para isso!
Mentalmente e fisicamente.
E com os equipamentos necessários.
A foto mostra o Rodrigues, em passo de ir para a mata, com «a casa às costas», para usar a expressão dele mesmo: a arma, as cartucheiras, as granadas, a faca de mato, o cantil e a mochila. Esta, cheiínha como um ovo,  com o indispensável para viver esses dias:  a “cozinha” com a ração de combate e a “caserna” - com o poncho para servir de tecto à chuva e cacimbo das frias noites angolanas.
O resto, evidentemente, era indispensável para a nossa segurança e defesa. 
Era deste modo que, mata adentro e por trilhos por onde não passara Jesus Cristo e que, nalguns casos, íamos desbravando à catanada, que evoluíamos até aos objectivos. Eram sempre dias e noites tensas, porque não conhecíamos o terreno que palmilhávamos e, por isso, cada avanço poderia ser até metro a metro.
«Tínhamos de ser muito bem ponderados nas atitudes a tomar», lembra o Rodrigues.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

1 257 - A praga dos postos de vigia do Quitexe




Rua do Quitexe, em 1974. Foto tirada do posto de vigia da estrada do café



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RODOLFO TOMÁS
Texto

Peço desculpa do meu saudosismo, mas ao recordarmos a nossa juventude, ninguem fica indiferente aos momentos passados pela terra que nos marcou para toda a vida, o Quitexe. 
A foto foi tiradas num posto de vigia à entrada do Quitexe e a primeira casa à direita, com quintal e ramada, era a residência do alferes Almeida. Neste posto aconteceu o que se pode considerar uma epidemia, uma praga!, o que lhe quiserem chamar, mas passo a explicar. 
Uma bela manhã, no fim de uma noite de reforço neste posto, saí e comecei a sentir uma pequena comichão no pescoço. Grande sarilho na formatura, pois não conseguia ter a cabeça direita e o tenente Mora, que estava em todas, ficou em alvoroço.
 "Ó nosso cabo, ponha-se direito", disse ele.
Mas qual quê, era impossível. Eu bem me escondia na ultima fila, mas os olhos militares do tenente Mora lá estavam firmes e à minha procura. Passadas três semanas, estava eu a ficar bom, graças ao enfermeiro Florindo - com aquelas mãos levezinhas (!)...-, começaram a surgir vários companheiros, que tinham sido ferrados também no pescoço.
Conclusão: alí havia vampiro à solta. 
O capitão Oliveira, comandante da CCS, por via disso, mandou finalmente chamar, quem? 
O Buraquinho, analista de águas. Coitado!!!... Não sei quantos dias andou com a máquina de sulfatar
às costas para desinfestar todos os postos de vigia. Até parecia castigo, mas não foi.
RODOLFO TOMÁS

domingo, 15 de abril de 2012

1 256 - Noites, dias e patrulhamentos de Carmona, Abril de 1975!!

Aquartelamento do BC12, em Carmona, na estrada para 
o Songo). Porta d´armas e edifício do comando 
(a  vermelho), cozinha e refeitório (amarelo).


A guarnição militar de Carmona foi reforçada a 14 e 15/16 de Abril de 1975 (já aqui o dissemos), nomeadamente para «cumprir uma intensa actividade de patrulhamentos mistos», mas não só: também para realizar patrulhamentos de longo curso. E, para se fazerem estes, não se podia, naturalmente, deixar a cidade indefesa.
Era, por outro lado, necessário dar escoamento a produtos e garantir reabastecimentos - o que era assegurado pela enorme frota de camiões civis, muitas vezes atacados na chamada estrada do café, que liga(va) Carmona a Luanda. E em outras, do enorme Uíje do café e de muitos outros produtos - a madeira, a mandioca, o dendém, o amendoim, a batata doce, feijão, sisal, cacau..., que eram garante da economia local.
A actividade operacional dos Cavaleiros do Norte estava, até aí, digamos que «muito circunscrita aos centros urbanos» e, lê-se no Livro da Unidade, «à FNLA outra coisa não interessa». Mas «estava-se conseguindo uma situação de calma, fictícia é certo, mas que permite manter-se um dia-a-dia mais ou menos estável, quebrado por um outro incidentes». E isso era o mais importante, muito se devendo à eficácia operacional dos Cavaleiros do Norte, à generosidade com que os seus militares se deram à causa e ao sentido de estado dos mais altos comandos.
A cidade, apesar desses incidentes, continuava a laborar, dia e noite - esta cheia de diversão, dos cinemas aos bares e restaurantes, cafés e casas nocturnas, com muita vida social e policiamento militar, para evitar «choques».
A comunidade «cavaleira do norte» adaptava-se ao bulício urbano, às coisas novas que lhe apareciam olhos adiante e fazia ouvidos de mercador a algumas (bastantes) bocas que lhe feriam  o brio e a honra.

sábado, 14 de abril de 2012

1 255 - Ir a um baptizado de farda vestida...

«Caçador» Fonseca foi a um baptizado de farda vestida
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A. CASAL DA FONSECA
Texto


Assistir a um baptizado no Quitexe, como convidado, fora coisa que nunca me passara pela cabeça! Mas aconteceu - embora não possa precisar a data, porque dela não tenho registo –, a convite dos amigos Portela e D. Maria.
Mas não achava grande jeito ir fardado para a cerimónia e tratei de lavar as roupas civis! Lavadas com sabonete, passadas pelo chuveiro,  penduradas na cruzeta e vincadas com as pontas dos dedos, já ao sol e enquanto escorriam! Técnicas e truques!
«Não me digas que vais à civil, pá !?..., Olha que vais arranjar lenha para te queimar!...», avisou-me o Mário, que era (e é) de Braga, a regar bem a frase com os palavrões que alimentavam o seu vocabulário!
No momento não lhe dei ouvidos, mas no dia do baptizado pensei duas vezes e não optei pelo risco. Cortei-as…, foi o que foi!
A única opção era pedir autorização ao capitão - não era por nada, mas tinha olhos de lince e de vez em quando ia à missa acompanhar a esposa -, o que não era fácil em manhã cedo de domingo!
«Por aquiiiii?!..., O que é que você quer?!...», interrogou-me ele, com ar distante e contrastante com o da esposa, sempre simpática!
E lá fiz o pedido, mas a resposta não se fez esperar: «Você nem pense e vá como está,  para a gente não se chatear! Já agora, as patilhas!...
«Então…, ó Amadeu!
...», ainda tentou a esposa, mas nada havia a fazer!
E lá tive de ir, fardadinho conforme as regras, sabendo bem que ele por ali estaria à espera de um deslize com a minha farda. Deslize que não aconteceu, excepção feita às patilhas que ficaram por aparar. Mas não se esqueceu o capitão e, no dia seguinte tinha-o à perna, com o 1º cabo escriturário Júlio a servir de mensageiro.
«Não posso ir pá, não posso abandonar o postode rádio!, respondi ao amigo!
Pois é, com esta m…. toda quem se vai lixar (o termo foi outro) ainda sou eu!...E lá foi com o recado, “obrigando” o capitão a vir ao posto!
Nessa altura já eu tinha dado um pulo ao Matos, o barbeiro, que me pusera as patilhas na ordem, em segundos! Mas não enganei o capitão que, desconfiado, ainda o foi interrogar! Que não, era impossível porque ele ainda não me vira naquele dia, e sustentou-o sempre! Grande amigo Matos, por onde andarás?!

ANTÓNIO CASAL DA FONSECA

sexta-feira, 13 de abril de 2012

1 254 - Incidentes em Carmona e louvor a Meneses

Avenida de Portugal, na cidade de Carmona (Uíge). Foi 
«palco» de alguns incidentes militares, em 1975


A 13 de Abril de 1975, registaram-se «incidentes mais graves» em Carmona, sucedendo a escaramuças quase diárias, entre a FNLA e o MPLA. «Os incidentes de de Luanda e Salazar vieram de ressaca até Carmona, dando origem a que houvesse que fazer intervenção a conflitos diversos, o mais agrave deles a 13 de Abril, na própria cidade, aquando de uma acção de fogo entre o MPLA e a FNLA, através de elementos das suas forças militares», lê-se no Livro da Unidade.
Um herói se sublinhou nesse dia: o alferes miliciano Meneses, que vira a ser louvado pelo comando, porque «durante uma manifestação não autorizada» - a desse dia 13 de Abril - na qual se verificou «confronto entre elementos dos dois movimentos emancipalista», com uso de armas de fogo na via pública, «actuou de forma rápida, decidida e enérgica».
O louvor dá destaque ao facto de tal intervenção «não ter deixado dúvidas quando à determinação do pequeno núcleo de tropas que comandava». E o efeito foi claro: «deteve dois dos manifestantes armados e em confronto e de imediato abortou a manifestação».
A situação, como se vê, não estava a fica boa por Carmona.
Ao outro dia, e «para obstar a tais inconvenientes e para cumprir uma intensa actividade de patrulhamentos mistos, houve que reforçar temporariamente o BCAV.», em Carmona - aonde chegou um grupo de combate do BCAÇ. 5015. E, no dia seguinte, 15 para 16 de Abril, um outro, este da 3ª. CCAV, a que, por esse tempo, se aquartelava no Quitexe.
Aquecia o ambiente militar, por causa do desentendimento entre os movimentos emancipalistas. Ainda estava para ir o pior, em Junho seguinte.~
- MENESES. Manuel Meneses Alves, alferes miliciano atirador de cavalaria, da 2ª. CCAV. 8423, a que chegou em Fevereiro de 1975, ido do Batalhão de Caçadores 4519/73, que estivera em Cabinda e Luanda, em 1974/75, e fora desmobilizado. Acabei de falar com ele, recupera de um problema de saúde, reside em Leiria e prometeu enviar-me foto.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

1 253 - Férias no Huambo e drama familiar por outras bandas...

O furriel Viegas em Nova Lisboa, nas férias de Abril de 1975. Em cima, 
com a madrinha Isolina e duas netas dela: a Fátima e a Idalina. Em 
baixo, em pose no biciclo de outro neto de Isolina, o Valter


A 12 de Abril de 1975, fazem-se hoje 37 anos, vadiava eu por Nova Lisboa (Huambo), na companhia do inseparável Cruz, anfitrionados na casa de Cecília Neves (já então Polido, de sobrenome matrimonial). E ambos tratados como príncipes.
Se olharem bem para as fotos, poderão imaginar como, hoje, eu mesmo sentirei saudades da verdura desses 22 aninhos e meio, que era a minha idade dessa data abrilina. Eram outros tempos, outra agilidade física e outra disponibilidade mental, preparadíssimo para o que desse e viesse, fosse o que fosse. Eram também menos 10 quilitos, menos volume abdominal, mais cabelo e mais sonhos e aspirações de vida. É que, não é nada, não é nada..., mas já lá vão 37 anos!
Ao tempo, foi mimoseado com correio do Portugal europeu - que previamente previra receber lá, por andar a correr Angola e de lá dando a competente direcção: à família, a amigos, a gente próxima. 
«Tens correio, como é possível?...», indagou-me a Cecília, intrigada e com uma mão cheia de cartas e aerogramas em meu nome, quando mo entregou, ela que nas vésperas nem imaginaria que por lá estivesse eu. Na verdade, por lá aparecera de surpresa - como eu bem gostava!
Hoje, 37 anos depois e fazendo memória desse tempo, releio uma carta muito especial, de Z., escrita cinco dias antes, dando-me conta de um drama familiar que a afectava e a que queria pôr fim. 
«Os meus pais, depois de 22 anos de casados, vão separar-se. Eles nunca se entenderam às mil maravilhas, mas há uns tempos para cá a coisa andava mesmo feia...», contava-me a jovem professora primária, recordando que, com mais três irmãos, «fui crescendo e cada ano mais revoltada, a ponto de desejar ardentemente acabar o curso para tirar a minha mãe e meus irmãos daquele ambiente» - de abusos, de embriaguês e maus tratos, que também passavam por agressões físicas.
Dei comigo, à noite e caminhando no passeio da Avenida da República, onde ficava o Hotel Bimbe, a pensar nos dramas que quantas vezes os sorrisos escondem, nas tragédias que as telhas e as paredes tantas vezes encobrem e a interrogar-me sobre a dor de Z., ao tempo no seu primeiro ano de professora e que, por razões que ao caso não vem, levedava no meu horizonte emocional. «Ele anda furioso, porque vê que o «poder» está a acabar e que nós, como já não precisamos dele, o abandonamos e ameaça-nos a todo o momento, já nem sequer autoriza que eu vá passar os fins de semana a casa», narrou-me Z., cujo rosto mentalmente revejo, adivinhando-o amargurado e infeliz, nesse tempo de há 37 anos!
Passeando na avenida, fui achado por conterrânea e familiar minha, a Ondina, inesperadamente, eu nem sabia que estava por Nova Lisboa. «Estás estranho, muito estranho...», disse-me ela, depois de alguma conversa. «É mulher na costa!!!...». E sorriu-se, a tagarelar sugestões e a querer saber de mim.
Ondina, alguns anos mais velha que eu, desinibida e avançada para os costumes da época (e ainda mais para os meus...), fez questão de explorar a minha emoção e tristeza. «Conta lá...». E deu-me o braço, a caminho do Danúbio Azul, bar nocturno então muito em moda na capital huambana.
Lá lhe contei: «É uma amiga, o pai  isto e o pai aquilo...», disse eu, não lhe escondendo amargura e inquietação pessoais. Acrescentei-lhe, citando a carta: «Ameaça pô-la  na rua e muitas mais coisas, a miúda anda desesperada de todo, perdeu a confiança nas pessoas». E que ao outro dia fazia anos (a carta era de 7 de Abril de 1975), dia que, citando-a, seria «o dia mais triste da toda a minha vida».
«Isso incomoda-te, preocupa-te!!! É tua namorada?...», perguntou-me Ondina, sorrindo-me, a provocar-me mas de olhar entristecido, com a mão sobre o meu ombro, depois abraçando-me, fazendo-se confidente. Que não, «não é nada minha namorada», respondi-lhe. «É uma miúda amiga, amiga da minha prima...».
A vida tem destas coisas e nessa noite de 12 de Abril de 1975, de férias no Huambo, feliz (por mim) e sentindo-me no colo de familiares e amigos, dei-me conta de quanto é paradoxal a vida. Eu por lá, na jornada africana que poderia ser (e muitas vezes foi) de sangue e de lutos, ao momento desfrutando os prazeres da boa-vai-ela que me levou a Nova Lisboa. Por cá, ela, a Z., dizendo-se «uma moça exteriormente sem problemas de qualquer espécie», mas contando-me o seu drama pessoal: «Sou uma infeliz. Tão nova e já com tantos problemas, sinto-me desiludida».
Deitei-me a pensar nas contradições da vida. A guerra, na qual eu jornadeava dias de operações na mata semeada de sustos, perigos e medos; a guerra que enlutava almas e famílias não era, afinal, tão trágica quanto o drama de uma jovem professora que via a família a desfazer-se, entre ameaças, maus tratos, agressões e ofensas. 
«Espero que me ajudes e me animes (...), tenho a certeza que posso confiar e esperar um apoio moral...», desabafava Z., interrogando-me: «Estás a ver a situação em que me encontro?».
Apoio, tê-lo-ei dado, seguramente. Ao outro dia, aprontei-lhe palavras de farto conforto e incentivante ânimo, tanto quando soube e fui capaz, em carta escrita de Nova Lisboa, com o melhor de mim para a amiga que sofria o drama do despedaço familiar. Senti-me obrigado e expectante, intranquilo. E continuadamente intrigado com as contradições da vida, com as várias cores e emoções das diversas guerras das nossas vidas. A pensar na dor de Z., ma alma que se lhe vestia de luto!
- FOTO 1. O furriel Viegas e familiares 
em Nova Lisboa.
- FOTO 2. A imagem tem exactamente 37 
anos, é de 12 de Abril de 1975. Legenda, nas 
costas, escrita pelo meu punho: «Nova Lisboa e 
eu de biciclo, isto não é guerra nem é nada. 
É o paraíso!».

quarta-feira, 11 de abril de 2012

1 252 - O bravo António, atirador de cavalaria e polícia militar

O António não era de muitas falas, mas de estar sempre presente. De não falhar um serviço, na atenção e nos cuidados de uma progressão na mata, no olhar atento de uma escolta ou na vigia de um reforço. Ganhou a vida como motorista de longo curso e reformou-se a 1 de Março deste ano. Há poucos dias!!!
Disse-me ele, ao telefone, que «foi mesmo a tempo» e não imaginaria (nem eu) que a governança do país se preparava para tramar a vida e a reforma a gente com mais de 40 anos de contribuições. É o meu caso e o de muitos milhares de portugueses, que não têm culpa nenhuma das asneiras do Estado e as pagam com o que tem e não tem. 
O António, de quem me lembro bem a humildade e o respeito, o zelo e a determinação, sem recuos e sempre frontal no enfrentar dos problemas, fez (comigo) dezenas de serviços e foi um dos PM´s de Carmona. Ocorre-me quando, com ele, numa casa perto do Cine Moreno, fomos confrontados com um assalto, em plena luz do dia e, armados para o que desse e viesse, tivemos de intervir em defesa de civis desacautelados e de casa roubada. 
Não teve dúvidas, o António, em pôr a mão ao assaltante que lhe fez frente e encostá-lo às boxes. Isto é: amarrá-lo ao unimog, para o levarmos preso para o BC12. Só depois reflectimos sobre o risco que corremos, mas o António (e os outros Cavaleiros do Norte) não hesitava(m) quando era para defender gente indefesa. Eram os desafios do tempo, que todos assumimos de corpo inteiro e alma despegada de interesse. Que o interesse maior era honrar a farda e a bandeira de Portugal, nos dias que se faziam vésperas de ser arreada do solo angolano.
O desafio, hoje, é outro e bem mais fácil: quem é esta malta da foto? São quase todos do PELREC. Dou a ajuda que a memória permite: em cima, da esquerda para a direita, Silvestre (?), Messejana, Marcos, António, Soares, NN, Vicente (de bigode, garrafa na mão e peito aberto), Florêncio Francisco e Almeida. Em baixo, quem será o da camisola branca e os dois de bigode ao lado? Parecem-me ser sapadores. Depois, o Madaleno (de caneca a despejar no copo do Neto, este e o Aurélio (Barbeiro).
Quem ajuda a identificar estes bravos Cavaleiros do Norte? Como reparam, estão todos a matar a sede!
ANTÓNIO. Francisco Fernando Maria António, soldado atirador de Cavalaria, do Pelotão de Reconhecimento, Serviço e Informação (PELREC) da CCS do BCAV. 8423. Motorista aposentado, residente em Abrançalhas (Abrantes). 

terça-feira, 10 de abril de 2012

1 251 - Dias de banho e nudez em Santa Isabel...

Fernandes e Rabiço com militares da 3ª. CCAV. 8423,
em banho de nus (Santa Isabel, ano de 1974)


Santa Isabel ficava para lá da aldeia do Dambi Angola! Deixava-se o alcatrão da estrada do café, entre Quitexe e Aldeia Viçosa, e seguia-se por uma picada acidentada e de medos, até que na frente dos olhos apareciam as instalações da fazenda, diríamos que instalações até algo grandiosas, no meio da densa e perigosa mata angolana.
Aquartelava-se por lá a 3ª. CCAV, a do capitão miliciano José Paulo Fernandes e, com ele, uma pleiâde de amigos, criados na formação operacional de Santa Margarida - o Rodrigues (alferes que eu já conhecia de Lamego, do CIOE), o Fernandes, o Belo, Carvalho, o Ricardo (o que será feito dele?), o Gordo, o Capitão, Flora, Lopes, o Querido, o Cardoso, o Lino e outros, o Ribeiro, o Rabiça... Tudo boa gente e grandes companheiros.
O Fernandes, que um dia, no Quitexe, safou o Neto de um desenfianço para Luanda, mandou-me correio com esta magnífica fotografia de esbeltos mancebos em banho de queda de água e tal como chegaram a este mundo: nus, em pelo! Literalmente!
A fotografia, ele o recorda, foi tirada após os acordos do  Alvor, quando um grupo foi à lenha para os padeiros. Acharam as quedas de água e ó roupa para que te quero?! Foi solta do corpo molhado de suores e atiraram-se os rapazes para a frescura da água. Olhem ali para eles, recatando as partes mais íntimas do olhar da objectiva do fotógrafo.
Vá la saber-se porquê, os senhores furriéis Fernandes e Rabiça mantiveram a sobriedade da farda sobre o corpo, quiçá para darem o exemplo!
«O pessoal facilitou, o que podia ter sido fatal, porque mais tarde viemos a saber que fomos observados todo o tempo pelo IN», recordou o Fernandes. «Talvez pelo respeito de Alvor, o IN limitou-se a observar...», concluiu o agora professor de Braga.
Cá para nós, que ninguém nos ouve (ou lê), o IN teve foi medo dos «bacamartes» dos airosos mancebos de Santa Isabel. Eram fogo!!! E do mais bravo.