O capitão Victor Almeida, comandante da CCAÇ. 209/RI21 (e esposa), o furriel Oliveira e dois militares do Liberato |
A 27 de Setembro de 1974, no Quitexe, o alferes Garcia apareceu, ofegante, no quarto dos furriéis Neto e Viegas - que mal desfizera a pequena mala das férias corridas na imensa, doce e sensual Angola. Chegado na véspera.
«Vamos sair!!!...» E ficou meio especado, de mãos nos quadris, à espera que matássemos a preguiça que nos deleitava o resto de tarde.
Furriéis Flora (de pé, à esquerda) e Gaspar, mecânico-auto (com o cão) e outros militares da CCAÇ. 209/RI 21, a da Fazenda do Liberato |
«Vamos sair!!!... E já!!!...», repetiu o alferes Garcia. Determinado, diria que solene, e de ar grave, firme. Ansioso.Não era vulgar, por aquele tempo, que ele saísse connosco em operações, escoltas ou patrulhamentos, por se ocupar no gabinete de operações - onde substituía, ou ia substituir o capitão Falcão. Por isso, estranhámos.
«Vamos sair?!...», perguntou o Neto, arengando algumas imprecações de momento. Afinal, acabáramos de chegar de uma escolta, cansados, em hora de banho rápido para lavar a lama feita do suor e da terra vermelha das picadas de Angola.
O Viegas, a olhá-lo de esguelha, desconfiado e expectante. resmungou: «É sempre a mesma m..., pá!!! Mas o que é que se passa agora?».
Virou-lhe as costas e apertava o cinturão e aprontava a G3 que repousava ao lado, o mesmo fez o Neto, quando ficámos a saber: a companhia do Liberato tinha-se revoltado, havia presos, talvez mortos, avançavam para o Comando de Sector, em Carmona, tínhamos de os ir «parar».
Os revoltosos
do Liberato
O bravo PELREC rapidamente formou à porta caserna, arma-
do até aos dentes, os 1ºs. cabos com dilagramas, armamento semi-pesado na garupa dos Unimogs, protecção o mais que se podia. Apresentei o grupo ao alferes Garcia, na parada, e fomos em passo formal até onde estava o comandante Carlos Almeida e Brito e outros oficiais, à saída do posto de rádio..
A ordem foi tensa, silábica, letal: impedir os revoltosos do Liberato de avançar para Carmona. A todo o custo. Só por cima de nós. Seria por cima dos nossos cadáveres, se tivesse de ser!Formado ao lado de Garcia, ligeiramente atrás, como mandavam as regras, olhei-lhe de soslaio o rosto tenso. Mas sem uma tre-
mura. Mas firme! Confiante! A mim, deu-me para deixar cair uma breve lágrima - que disfarcei no suor que nos caía em bica, pela cara abaixo. Senti-me seguro e invadido de uma estranha calma, uma paz serena: «Hoje é que vai ser!...».
O Neto, do outro lado, à esquerda, não deixou mexer um nervo, a olhar o céu de Angola, ganhando confiança.
O pelotão pôs-se em sentido, à ordem do alferes Garcia. Estava ali, garboso todo ele, e sem um medo, pronto, prontíssimo para o que desse e viesse. Eram todos rapazes de coragem! Fez ombro-arma a Almeida e Brito, que correspondeu, seráfico: «Sorte, rapazes!».
Subimos para os unimogs. «Lembras-te de Lamego?... A serra das Meadas?!!...».
Olhou-me o Garcia, despejando-me os olhos com espantosa serenidade. Sem responder, sem uma palavra, sem pestanejar, apenas com um brevíssimo acenar de cabeça, com a G3 apontada ao céu e as ancas carregadas de granadas, as cartucheiras como uma mulher grávida: cheias de munições!
O Soares, o sempre renitente e reivindicativo 1º. cabo Soares, olhou-nos com um sorriso amarelado de ironia. «É desta vez?!...», perguntou ele, enquanto se acomodava nos bancos corridos do unimog. Ia ele com um dilagrama, seria dos primeiros a disparar, se necessário fosse. O «esta vez...» do Soares seria um combate a sério, o deflagrar de metralha, o silvo das rajadas das metralhadoras, o cheiro da pólvora e a lama do pó vermelho de Angola feita de sangue! A morte, caso fosse...
O aquartelamento do Liberato |
Vamos, vamos, vaaaamos...,
vamos e sem medo!
«Vamos, vamos, vamos!!!...», gritou o alferes Garcia, com isso apressando os bravos «pelrec´s», enquanto outros já aperravam armas, trocavam as munições para os dilagramas, aprontavam miras e se engravidavam de dúvidas. Estes momentos podem não ser de medos, mas são de dúvidas, de ansiedade, de constrangimentos invisíveis.
O Neto, de outro unimog, fez-me um sinal de confiança. E era confiança que se sentia. E a coragem sentíamo-la nós a levedar na alma, naquela ordem recebida para a morte. Sentia-se determinação, bravura, generosidade e partilha solidária de um momento que poderia ser véspera de tragédia.
Felizmente, não houve confrontação. Evitou-se uma tragédia. Ver amanhã.
Joaquim Joé Catuna |
Catuna de Zalala, 65
anos no Brasil !
O soldado Catuna, Cavaleiro do Norte da 1ª. CCAV. 8423, a de Zalala, está hoje em festa: comemora 65 anos!
Joaquim José dos Nascimento Catuna dos Santos (o Tininho) foi atirador de Cavalaria dos «zalala´s», natural de Albufeira e lá vol-
tou a 9 de Setembro de 1975 - quando terminou a jornada africana das terras uíjanas de Angola. Actualmente, dele apenas sabemos que está há vários anos emigrado no Brasil, para onde vai o nosso abraço de parabéns, neste dia muito especial da sua vida!
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