Messe de sargentos (antes de oficiais) da CCS, no
bairro Montanha Pinto (casa azul), em cima).
Carta de Alberto Ferreira, recebida faz hoje 37 anos (em baixo)
O que se fazia em Carmona, a 3 de Julho de 1975? A resposta vem-me na carta de Alberto Ferreira, que fazia comissão na base aérea de Luanda e se aprontava para regressar a Portugal: esperavámos ir para Luanda e depois, loguinho, loguinho..., para Lisboa e as nossas casas e famílias! É isso, pelo menos, o que deduzo da epístola dele, datada da véspera, que agora releio e na qual me dava conta que por Luanda «isto está uma santidade, mas só aparente».
Dias antes, a 16 de Junho, narrava que «isto por cá, está mais calmo, deve ser por pouco tempo mas enfim..., temos que aguentar a «m...», que os impõem».
Emociono-me, ao real isso. O Alberto era amigo íntimo, companheiro de escola e das noitadas de Luanda, onde quantas vezes nos fizemos passar por irmãos gémeos, engendrando histórias que nos aproximavam dos nossos objectivos mais lúdicos e ciosos! Prazerosos, dir-se-ia agora! E já faleceu.
O Alberto dava-me conta de estar surpreendido com o meu silêncio - não o deveria contactar há algum tempo (não me lembro) - e perguntava-me, com preocupação que fazia notar na carta: «Essa «m...» por aí, está melhor ou quê?!». Com ponto de exclamação! Não estava, ainda ontem aqui falámos disso.
Outra nota de Alberto, sobra a situação política nacional: «Hoje, na rádio, ouvi uma boca do c..... No noticiário de Lisboa, numa entrevista, o oficial que acompanha Spínola disse aos jornalistas que hoje falam com o ex-general, mas amanhã falam com o Presidente da República Portuguesa».
Spínola, ao tempo, estava fugido de Portugal, depois da sua (dada como certa) envolvência no golpe de Estado de 11 de Março de 1975. Tinha sido presidente da Junta de Salvação Nacional e Presidente da República, cargo de que se demitira a 30 de Setembro de 1974, com um dramático discurso que nós ouvíramos em Luanda, via rádio, e na qual se manifestou com o rumo de Portugal, com a viragem à esquerda. Era dado como líder do ELP e, em Março, fugira para Espanha e depois para o Brasil. As declarações do oficial eram entendidas como uma ameaça de regresso a Portugal. «Aquilo vai ser uma instabilidade f...., o homem tem muitos adeptos e há muita malta lá no puto anda descontente...», dizia-me o Alberto.
Li isto na messe do Bairro Montanha Pinto e o tema foi alvo de farta conversa entre a «furrielada» da CCS. «Ainda vamos ter uma guerra civil...», prenunciou o Machado, talvez o mais politizado de nós e que, de Portugal, tinha emoções recentes (das férias que por cá gozou).- FERREIRA. Alberto Fernando Dias Ferreira, 1º. cabo especialista da Força Aérea, de Fermentelos (Águeda). Foi quadro superior da Segurança Social, licenciou-se em economia e exerceu funções superiores na administração fiscal. Já falecido, foi vereador e candidato a presidente da Câmara de Águeda.
- ELP. Exército de Libertação de Portugal, organização acusada de ser de teor terrorista e de extrema-direita. Foi autor do livro «Portugal e o futuro» e morreu aos 86 anos, a 13 de Agosto de 1996.
- PUTO. Forma de chamar Portugal, na gíria militar e angolana.
- CARTA. Carta de Alberto Ferreira, recebida a 3 de Julho de 1975. Tem o nº. 44. Eu numerava o correio que recebia e pelo número se pode ver da regularidadade da nossa correspondência: 44 cartas (ou aerogramas) em 12 meses.
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